terça-feira, 13 de maio de 2014

Uma palavra sobre a itinerância e os “itinerantes” - Ciro Sanches Zibordi.

Nas áureas décadas de 1980 e 1990, os pregadores mais requisitados e famosos — por
serem verdadeiramente usados pelo Senhor —, nas Assembleias de Deus, eram identificados por títulos ministeriais bíblicos. De alguns anos para cá, surgiram títulos novos, como “conferencista internacional” e “itinerante”. Considero o primeiro um tanto pretensioso. Quanto ao segundo... Ah, o segundo é, no mínimo, despropositado.
Pessoas que me encontram nos aeroportos ou nas igrejas onde ministro a Palavra de Deus me perguntam se sou um “itinerante”, pelo fato de eu participar de eventos em vários lugares, especialmente escolas bíblicas.
E a minha resposta a elas, a priori, parece vaga: “Não sou ‘itinerante’. Mas tenho um ministério que envolve itinerância”.
Não me considero um “itinerante” porque a itinerância, em si, não é um ministério ou uma profissão, e sim uma característica destes. Houaiss define assim o termo “itinerante”: “diz-se de atividade que se exerce com deslocamentos sucessivos de lugar em lugar”.
O piloto de avião, o comissário de bordo e motorista de ônibus, por exemplo, não são chamados de “itinerantes” pelo fato de viajarem para várias partes do Brasil e/ou do mundo. Eles têm um trabalho que envolve itinerância. Da mesma forma, o apóstolo Paulo não era um “itinerante”, a despeito de suas viagens missionárias. Ele era pregador, apóstolo e doutor dos gentios (1 Tm 2.7). Seu ministério, multifacetado, envolvia itinerância.
Considero impróprio o uso do termo “itinerante” para designar o ministério da pregação da Palavra de Deus. Mas muito pior do que um problema de ordem semântica são os procedimentos adotados pelos que se dizem “itinerantes”. No meio assembleiano, especialmente, o aludido termo tem designado um tipo de obreiro que demonstra não ter sido chamado por Deus.
Os “itinerantes”, geralmente, gostam de aparecer. Apreciam roupa que reluz, sapatos que brilham de longe, anéis que ocupam quase metade do dedo, etc. Ter o título de diácono, presbítero, evangelista ou pastor, para eles, é desonroso ou “pouco impactante”. Preferem ser conhecidos como “conferencistas internacionais”. Supervalorizam o título, ignorando que não é o título que faz a pessoa; é a pessoa que faz o título. Duas passagens que eles deveriam examinar são 1 Samuel 16.6-13 e 2 Reis 4.31.

Os “itinerantes” querem ser pregadores a todo custo; são “oferecidos”, mas não possuem mensagem conveniente, à semelhança do rapaz que se apressou em dar a notícia da morte de Absalão a Davi (2 Sm 18.19-22). Em vez de apresentarem mensagens cristocêntricas, discorrem sobre conceitos antropocêntricos da autoajuda. Tais pregadores deveriam
atentar para o exemplo de Jeremias: “eu não me apressei em ser o pastor após ti” (17.16).
Os “itinerantes” entram no ministério, mas o ministério não entra em seu coração. Eles foram feitos pregadores pelos homens, e não pelo Senhor (2 Tm 4.3-5; 1 Rs 12.31; 13.33; 2 Rs 17.32,33). Eles confiam apenas em sua capacidade, como o comandante Joabe, que tinha muitos talentos, mas era insensível, desumano, cruel, não inspirava respeito, não reconhecia os seus erros, não respeitava os laços familiares e não foi fiel até o fim (2 Sm 10.9; 1 Cr 19.10; 1 Rs 1.5-8; 2.5,28).
Os “itinerantes” amam o dinheiro (1 Tm 3.3; 6.10; Ef 5.5). E por ele estão dispostos a fazer tudo (Nm 22.10-22; 2 Pe 2.15,16; Is 56.11).
Esquecem-se de que o compromisso primaz do pregador não é com as suas próprias necessidades ou com as preferências do povo, e sim com o Deus da Palavra e com a Palavra de Deus (Ez 2; At 7).
Os “itinerantes” se envolvem com a obra de Deus para ter comodidade e riqueza (Ez 34.2-4; Jz 17.7-13). E, por isso, mercadejam a Palavra de Deus (2 Co 2.17). Não se contentam com uma boa oferta da igreja do Senhor. Exigem cachês exorbitantes ou empregam técnicas reprováveis para “arrancar” tudo o que for possível dos incautos, como dinheiro, relógios, alianças, cheques, etc.
Os “itinerantes” gostam de receber glória dos homens (2 Co 10.12-18; At 12.21-23). Mas Deus não dá a sua glória a outrem (Is 42.8). Eles deveriam atentar para Provérbios 27.2 e 25.27, a fim de aprenderem que o Senhor usa — verdadeiramente — os humildes (1 Co 1.26-29; Tg 4.6).

Até o fim dos anos de 1990 não havia tantos “itinerantes” nas Assembleias de Deus. A pregação bíblica sem malabarismos ainda reinava. Pregadores que expunham a Palavra do Senhor, na dependência do Espírito Santo, ainda eram respeitados. Mas, com o falecimento de alguns homens de Deus e a queda espiritual de outros, começaram a surgir, em grande quantidade, ainda na aludida década (que compreende o período de 1991 a 2000), os “conferencistas internacionais”, animadores de auditório.
Hoje, o modelo que prevalece e encanta multidões é o da pregação interativa dos “itinerantes”, no melhor estilo diga-isso-e-aquilo-para-o-seuirmão, com pouquíssimo conteúdo bíblico e malabarismo de sobra. Como consequência, muitos crentes já não suportam a exposição da viva e eficaz Palavra do Senhor (Hb 4.12). Isso, para eles, é simples demais e enfadonho; querem movimento, animação, berros prolongados ao microfone, gracejos, exibição teatral, etc.
A exposição verdadeiramente ungida das Escrituras perdeu o seu espaço. E quem não gosta de animação de auditório, como este expoente, é considerado pela maioria como retrógrado, ultrapassado, invejoso, sem unção, incapaz de “gerar a graça”, inimigo do “mover de Deus”, cético, etc.
Entretanto, a minha batalha — ainda que às vezes me sinta como alguém tirando água do oceano com uma pequena caneca — pela recuperação da exposição da Palavra de Deus continuará, segundo a graça do Senhor Jesus. Enquanto Deus me der força, perseverarei em protestar contra a animação de plateia e em asseverar que precisamos voltar às “veredas
antigas” (Jr 6.16). Afinal, avivamento também significa reconquistar o que foi perdido (Lm 5.21).
Com base no que está escrito em 2 Timóteo 3.14, posso dizer que o ministério que o Senhor me outorgou foi grandemente influenciado por eminentes pregadores e ensinadores da Palavra, especialmente Valdir Nunes Bícego , cujo ministério envolvia itinerância.
Não havia, à época da virada do milênio, um pregador que reunisse tantas qualidades como Valdir Bícego. De alguma forma, Deus o usava com todos os dons ministeriais mencionados em Efésios 4.11. Assim como Paulo, que recebeu do Senhor um ministério multíplice (1 Tm 2.7), Bícego era, ao mesmo tempo, um mestre, um pastor, um evangelista, um profeta e um apóstolo do Senhor.
Influenciado diretamente por homens de Deus, como os verdadeiramente apóstolos Cícero Canuto de Lima e Eurico Bergstén , Valdir Bícego reunia em si um pouco dos dois. Era seguro e zeloso como o primeiro e compromissado com a sã doutrina e com a pregação biblicocêntrica, como o segundo. Tive o privilégio de ser encaminhado ao ministério por ele, servindo ao Senhor sob seu pastorado na Assembleia de Deus da Lapa, em São Paulo, durante quinze anos.
Desde o dia em que vi o pastor Valdir Bícego expor a Palavra do Senhor, em um congresso de jovens, acendeu-se em mim uma chama para proclamar o Evangelho e defendê-lo (Mc 16.15; Fp 1.16). Na sua última pregação, em 27 de abril de 1998 (um dia antes de sua repentina morte), a qual também tive o privilégio de ouvir, ele asseverou: “Não fiquem em torno do pastor. Fiquem em torno de Jesus, da Palavra e do ministério, pois o pastor pode morrer a qualquer momento”.
No início do século XXI, a pregação da Palavra de Deus tornou-se escassa e obsoleta nos púlpitos assembleianos. Os animadores de auditório começaram a encantar os jovens pregadores, em razão de serem aqueles os protagonistas dos grandes congressos pretensamente pentecostais, transmitidos ao vivo pela Internet. Pregações triunfalistas e antropocêntricas, com temas exóticos, como “Grávidos de um avivamento” ou “Sonhe e ganhará o mundo”, passaram a ser vendidas, alugadas e pirateadas em toda a parte, tornando os tais “itinerantes” verdadeiras celebridades.
Coincidentemente ou não, depois das mortes de Bernhard Johnson (em 1995), Valdir Bícego (em 1998) e Eurico Bergstén (em 1999), e com as quedas espirituais de importantes expoentes da Palavra de Deus (algumas irreversíveis), cresceu, e muito, a animação de plateia. Não obstante, hoje, graças a Deus e ao legado de pregadores do passado, o quadro já começa a melhorar. Há um forte clamor pela pregação cristocêntrica, centrada na imutável Palavra do Senhor, e começam a surgir pregadores à moda antiga. Aleluia!
Diante do exposto, continuarei com o propósito de imitar os grandes pregadores e ensinadores que conheci no milênio passado (1 Co 11.1). E continuarei lutando para que, em nossos cultos e congressos, voltemos a valorizar a poderosa exposição da Palavra de Deus (Sl 119.130; Jo 5.24), sem exibicionismo, invencionices, ilusionismo, berros desnecessários, malabarismo, gracejos sem graça, triunfalismo e outros devaneios e aberrações que desviam o povo da verdade e do temor do Senhor.


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