quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

OS PASTORES-PRESIDENTES: Douglas Fisalgo

Nesta parte de nossa pesquisa iremos focar nossa atenção na figura do Pastor-presidente das Assembleia de Deus Ministério de Madureira. Cabe aqui uma pergunta inicial, quando aparece essa figura que hoje é vista como indispensável para esse movimento? Será que desde a origem do movimento das ADs no Brasil em 1911 a figura do Pastor-presidente já existia? Quando e onde nasce essa figura que é responsável pela condução dessa instituição que é a maior igreja pentecostal brasileira? Pois bem, para responder essas perguntas precisamos fazer uma pequena digressão histórica, para podermos melhor compreender como o movimento se organizou em sua fundação e quais foram as principais mudanças que permitiram o seu surgimento. 
Em seu início as ADs no Brasil eram congregacionais, sistema trazido com os missionários suecos e tendo como principal característica uma organização eclesial no qual toda a congregação tem participação nas tomadas de decisões, sendo imprescindível aprovação da assembleia de membros da igreja (ALENCAR, 2010; 2013). Os próprios missionários Gunnar Vingren (1879-1933) e Daniel Berg (1884-1963), apesar de hoje estarem no “rol da fama” do movimento, ocupando uma posição “mitificada” de fundação do mesmo, nunca lograram esse título. O próprio Gunnar Vingren esteve à frente de algumas igrejas ADs, em especial a de São Cristóvão–RJ, iniciada em 1923 por um grupo de irmãos, mas sendo em 1924 a data de sua fundação, com a presença do missionário sueco no momento em que o estatuto é lavrado. O mesmo permanece à frente da igreja até o ano de 1932, quando a mando do Pr. Lewi Pethrus39 (1884-1974), ele e sua família retornam a Suécia. Segundo Alencar (2013, p. 154) esse pedido para que Vingren e sua família retornassem para Suécia, não passou de um golpe institucional contra o missionário e, principalmente, sua esposa Frida Vingren (1891-1940), que devido à ação arrojada da mesma na condução junto a seu esposo da igreja carioca, incomodava em muito os pastores nativos nordestinos e o sueco Samuel Nyström (1891-1960), os quais teriam arquitetado o golpe.
Gunnar em sua história no Brasil a frente das ADs, nunca recebeu esse título de pastor-presidente, tendo a oportunidade de presidir uma única convenção da CGADB em 1931 no Rio de Janeiro (ARAÚJO, 2007). Apenas na década de 1960, com o processo de criação da “tradição assembleiana” (ALENCAR, 2013) é que se passa a reconhecê-lo como um ícone do movimento. Já o seu companheiro de missão Daniel Berg, nunca dirigiu uma igreja e se quer (apesar de ajudar na fundação de algumas delas, entre elas citamos as ADs de Santos, São Paulo e Santo André40) teve em vida algum tipo de reconhecimento. O qual até o final de sua vida vendia bíblias na porta da AD Belém – SP, em dias de cultos e reuniões para sobreviver. Com o passar dos anos as ADs no Brasil foram assumindo uma forma de organização conhecida como episcopal (não territorial, ou seja, cada ministério é constituído por uma Igreja-sede com suas respectivas filias, congregações e subcongregações), que é a forma de organização caracterizada por ter um "Líder Maior", geralmente chamado de Papa, Bispo, Pastor-Presidente, Apóstolo, etc (ALENCAR, 2013). Esse líder tem o comando de todos os outros líderes e demais membros da igreja, sendo ele mesmo, quem muitas vezes toma as principais decisões e da os rumos e encaminhamentos estruturais de sua organização religiosa. Segundo Correa é na década de 1950 que essa denominação aparece pela primeira vez descrita no jornal MP, sendo utilizada a terminologia de “pastor geral de campo41” (2013, p. 141), em decorrência da inauguração do templo da AD em Madureira, na cidade do Rio de Janeiro. Como a reportagem foi redigida e assinada pelo Pr. Paulo Leivas Macalão, podemos então concluir que o objetivo desse termo era designar que ele tinha a seus cuidados um conjunto de outras igrejas. Segundo ainda a pesquisadora das ADs no Brasil, o termo Pastor-presidente só aparecerá ipsis litteris em 1957, usada para designar o Pr. Horácio da Silva e, em 1959. Mas tarde pode se verificar o aparecimento das expressões “pastor-presidente” e “pastor vice-presidente” para designar o Pr. Alcebíades Vasconcelos como pastor-presidente e Pr. Tulio Barros como vice-presidente da igreja AD em São Cristóvão - RJ (CORREA, 2013, p. 142).
Ao analisarmos um pouco mais esse período, devemos destacar alguns pontos que podem nos ajudam a entender um pouco mais a necessidade dessa autoafirmação de alguns líderes das ADs. Primeiramente entre as décadas de 1940 e 1950, encontramos o Brasil na transição do rural para o urbano, o qual gerou um verdadeiro boom populacional, que acentuou em muito os desequilíbrios regionais devido à movimentação demográfica provocada pelo surto da industrialização, principalmente na região sudeste do país, gerando duas situações, 1- o aumento das desigualdades sociais tanto nas regiões em processo de industrialização, quanto nas que se mantiveram agrícolas; 2- “a volatilidade da vida política brasileira” (SKIDMORE, 1998, p. 1995) com os governos populistas. Lembrando que apenas na década de 1950, temos a volta ao governo e o suicídio de Getúlio Vargas (1954), a tentativa de golpe dos militares e o “contragolpe” do major Henrique Teixeira Lott, que garantiu a posse do presidente eleito Juscelino Kubitschek (1956), o qual empreendeu a construção da cidade de Brasília e acelerou o processo de industrialização no país, incentivando a chegada de empresas multinacionais. Assim em um período de instabilidade social e política e de grande crescimento urbano a gestão interna das instituições religiosas como a pentecostal, que primava por uma forma horizontal pautada na ação do Espírito Santo em todos os fiéis, se fecha, e concentra a sua gestão em indivíduos destacados, dessa forma abre-se ou copia modelos de autoridade da sociedade em torno dela.
Em segundo lugar temos o processo de “fragmentação de Ministérios” (ALENCAR, 2013, p. 172), que pode ser explicado devido ao crescimento expressivo da denominação, que segundo dados expostos na obra de Rolim (1985, p. 104) “Pentecostais no Brasil”, as ADs saltaram de 13.511 membros comungantes em 1930, para 407.588 membros comungantes em 1960, isso indica um crescimento de mais de 3000% em um período de trinta anos. Aqui talvez esteja uma explicação plausível para a mudança de um modelo congregacional, para o modelo episcopal baseado nos estados e municípios, pois como conseguir controlar e manter os tão importantes pontos doutrinários que davam “identidade” ao movimento, que crescia muito e rapidamente em um período em que a comunicação em nosso país era muito precária? Com certeza a centralização de um grupo de igrejas em uma única (que geralmente era a precursora das outras na cidade, ou estado recebendo o nome de igreja-mãe), ajuda na criação de um quadro administrativo burocrático e racional, que tinha como função gerir, não apenas as suas concepções doutrinarias, mas aquilo que podemos denominar, parafraseando Weber, de sua “economia doméstica” (WEBER, 2012). Se assemelhando ao que expomos no parágrafo anterior, pois o movimento começou a adotar modelos de autoridade já existentes da sociedade, que no caso brasileiro está personificado nas figuras de “político-populistas” que sempre tiveram “posições dúbias” (IANNI, 2004, p. 274), ora democráticos, ora autoritários, mas que sempre buscavam centralizar em si mesmos, os rumos a serem tomados.
Não é pretensão nossa indicar que essa organização começou neste momento histórico, porém é inegável a influência que as demandas de uma sociedade têm sobre os grupos que nelas estão inseridos (BERGER, 1985) e as ADs não estão isentas dessas mesmas influências. É sabido que a CGADB tem sua primeira reunião em 1930 (dezenove anos após a fundação das ADs no Brasil), mas é em 1946 que ela se torna pessoa jurídica e como registra o próprio site da instituição:

“O primeiro Estatuto apresentou como principais objetivos da CGADB: ‘promover a união e incentivar o progresso moral e espiritual das Assembleias de Deus; manter e propugnar o desenvolvimento da Casa Publicadora das Assembleias de Deus’”. (CGADB, 20/09/2016)42
Mas já neste período as tensões envolvendo quem deveria estar à frente do comando das ADs eram evidentes (DANIEL, 2004), os quais traziam muitos desconfortos aos missionários escandinavos no Brasil. Em terceiro lugar, segundo ainda o site da CGADB, é, em 1930, na Convenção Geral realizada entre os dias 5 e 10 de setembro em Natal–RN, “que os missionários suecos transferiram a liderança das Assembleias de Deus no Brasil para os pastores brasileiros” (CGADB, 20/09/2016), mas ao fazer uma comparação com o anexo III “Cronologia das Convenções” da obra de Alencar (2013, p. 356-364), verificamos que até 1951 só tiveram duas Convenções (a de 1937, na qual o presidente era o Pr. Paulo Leivas Macalão e 1947 presidida pelo Pr. Cícero Canuto de Lima) na qual não houve a liderança de um estrangeiro e, é só a partir de 1953 em diante, que o posto de presidente da Convenção ficou a cargo dos brasileiros (ARAÚJO, 2007). Esse fato ajuda a explicar a terminologia de Pastor-presidente (lembrando que o termo “genérico” aparece em 1950 – pastor geral de campo-, mas passa a ser utilizado em 1959 como indicativo do cargo), pois é o momento que as figuras precisarão se afirmar no poder, não apenas como fundadores da igreja y ou z, mas aqueles que foram vocacionado por “Deus” para assumir esse posto e dar continuidade ao que foi iniciado anteriormente. Muitos destes primeiros pastores presidentes estiveram à frente de suas igrejas por décadas, exemplos Pr. Alfredo Reikdal do Ministério do Ipiranga-SP ficou 71 anos como pastor-presidente. Outros exemplos são o do Pr. Paulo Leivas Macalão que ficou a frente da ADMM por 52 anos e o Pr. Cícero Canuto que também pastoreou por 52 anos a AD Belém-SP, entre outros mais (ALENCAR, 2013, p. 182-183).

RESUMO DA SÉRIE: COMO SE TORNAR UM LÍDER DE SEITA – POR WAGNER PEDRO

INTRODUÇÃO: A série "Como se Tornar um Líder de Seita" explora a trajetória de diversos líderes carismáticos que fundaram seitas ...