Para falar do que acontece na reunião, vou me
valer de uma história fictícia, contada pelo escritor Ciro Sanches Zibordi[1]:
Estamos
na cidade de Reteté da Glória, onde ocorre anualmente um grandioso e
tradicional congresso. Pessoas não param de chegar. Pregadores e cantores
disputam lugares junto à tribuna, pois — como diz um ditado — quem não é visto
não é lembrado. E nada melhor do que o grande Congresso de Reteté para promover
ilustres quase desconhecidos e enriquecer ainda mais o currículo dos famosos...
(Atenção:
a leitura em voz alta dos nomes dos personagens contidos neste texto facilitará
a sua compreensão.)
É o
primeiro dia do congresso, e a expectativa aumenta momentos antes da primeira
reunião, no período da tarde.
— Quem
será o pregador? — pergunta a irmã Marionete, no meio de uma multidão de irmãos
vindos de várias cidades, os quais se acotovelam, a fim de encontrarem um lugar
"confortável" num espaço que sempre recebe quase o dobro de pessoas
para a sua capacidade.
— Vi na
Internet que estão na programação os pastores José dos Clichês, Edson Alto,
Antônio Grito e Joedsnei Lândia — responde o seu esposo, o irmão Títere. — Mas
eu tô querendo saber quem vai pregar hoje à noite.
— Eu
também — diz Marionete. — Esses pastores têm vindo em todos os congressos e já
deram o que tinham de dar. Eu queria saber se não há nenhuma novidade...
— É
mesmo, Nete? — responde surpreso o marido, que, devido ao seu trabalho,
comparece ao congresso pela primeira vez, aproveitando as suas férias.
— É
claro, Tite. O Zé dos Clichês no ano passado pregou de novo aquela mensagem
sobre sonhos e enfatizou outra vez que crente que tem promessa não morre. Já o
Edson Alto ficou o tempo todo pedindo para o rapaz aumentar o retorno. No meio
da pregação, inclusive, ele afirmou que um demônio instalara-se nos
equipamentos de som. Quer saber? Eu acho que ele tem é problema de audição...
— E o
Antônio Grito foi bem?
— Ah, o
pastor Grito tem mais conteúdo, porém, ao contrário do Edson Alto, possui uma
voz tão estridente que o controlador tem que ficar diminuindo o som toda vez
que ele resolve dizer "Receeeebaaaa". Sabia que um irmão à minha frente
estava até usando um protetor auricular? — risos.
— Não sei
o que é pior, Nete, o pregador que pede para aumentar o volume além da conta,
ou o que berra ao microfone... Pobres dos nossos tímpanos — risos.
— O
pastor Joedsnei Lândia você conhece, né? É aquele que fica o tempo todo falando
contra desenhos animados, filmes, brinquedos, bonecas, casas de hambúrgueres,
etc.
— Ahã...
Eu até acho interessante o alerta que ele faz — responde Títere.
— O problema é que ele, ao fazer isso, deixa
de lado a exposição da Palavra.
— É
verdade. Mas eu soube que o evangelista Eli Cóptero também vem — continua
Marionete. — Esse até que não grita muito...
— É
mesmo? Não é aquele que gira o paletó em cima da cabeça? — pergunta Títere.
— Isso. No último congresso ele foi o grande
destaque. No encerramento, além de pular e rodopiar, ele jogou o paletó no
chão... Fogo puro. Ficamos todos maravilhados. Foi realmente tremenda aquela
noite...
— Mas,
Nete, ele pregou sobre o quê? O Elisafã Toche — primo de Marionete — me contou
que foi grande o reboliço, mas não soube explicar o que foi pregado... É a
minha primeira vez nesse congresso e acho estranhos esses seus relatos.
— Olha,
querido, o que Eli Cóptero falou especificamente eu não sei, porém o reteté foi
bom demais... Eu me lembro de que o tema do congresso era "Como ser um
sonhador neste novo milênio", e ele disse uma frase muito impactante:
"Deus destruirá todos os inimigos que tentarem matar os seus sonhos".
Não são
apenas Títere e Marionete que conversam, riem e transitam no local destinado
aos cultos, ao som das canções dos CDs dos grupos Queimando o Incenso e
Animação Profética. Muitos crentes, à semelhança de torcedores aguardando um
grande jogo de futebol, mostram-se ansiosos e impacientes. Mas, em meio ao zunzunzum
da multidão, o pastor Joselito Lerante resolve assumir o microfone para dar
início à reunião.
— A paz
do Senhor, irmãos!
— Améém!
— A paz
do Senhor, irmãos!
—
Amééééém!
— Eu
disse "A paz do Senhor, irmãos!" Onde está o povo do reteté? Os canelas
de fogo já chegaram?
—
Amééééééééém!
— Ah,
agora sim! Quantos estão aqui, nesta tarde, para receber uma bênção? Levante a
mão e diga "Glória a Deus".
—
Glóóóóóória a Deus! — responde o povo, com as mãos levantadas.
— Quantos
crêem que durante esse congresso receberão grandes bênçãos materiais e
espirituais, como chaves de carros, casas, apartamentos... e muita, muita unção
pra fazer o Inimigo ficar apavorado?
—
Amééééééém!
— Então
mantenha a sua mão levantada e ore comigo. Pai, neste momento em que estamos
dando início a esse grande congresso, ordenamos que todas as artimanhas
satânicas sejam quebradas. Pedimos que os seus anjos sobrevoem esse ginásio com
brasas vivas. Determinamos que os demônios fiquem distantes desta cidade. E, se
houver algum demônio maluco, pois só pode ser doido para estar neste lugar, que
seja queimado agoooooooora... — sons de aleluias, glórias a Deus e brados não
inteligíveis.
Após essa
primeira oração, uma parte da multidão, acostumada com o evento, agita-se,
enquanto outra se divide em vários grupos: céticos, desconfiados, curiosos,
decepcionados...
— Eu
declaro aberto esse congresso. Vamos neste momento convidar o nosso grupo de
louvor — diz o pastor Joselito Lerante.
O grupo
então se posta, e o seu líder e vocalista, o irmão Dan Sá, assume o microfone,
ao som de performances isoladas de cada músico, enquanto os coreógrafos
permanecem atrás do palco, aguardando o sinal para entrarem.
— Quantos
estão alegres? — pergunta Dan Sá, saltitante e sorridente.
Muitos
levantam as mãos e dizem "amém", e ele prossegue:
— Nesta
tarde já posso sentir o mover de Deus! É tarde de milagres! Aleluiaaaaaa...
Uhuuuuu... Tire o pé do chããããão...
Esse foi
o sinal para os músicos do grupo começarem a tocar um axé daqueles, acompanhado
de uma coreografia bastante animada, levando boa parte da multidão a cantar e a
dançar com muita vibração.
Após
alguns "louvores", o pastor pede para todos permanecerem em pé para a
entrada das bandeiras. A reverência enfim toma conta do ambiente no momento da
execução do Hino Nacional, e o culto prossegue...
— Vamos
agora convidar as irmãs Ana e Mada para louvarem a Deus — diz o pastor Joselito
Lerante.
Depois de
apresentarem alguns "corinhos de fogo", em ritmo de forró, Ana e Mada
devolvem o microfone ao pastor, que dá continuidade ao congresso...
— Neste
momento queremos fazer as apresentações dos visitantes. Já estão conosco alguns
preletores de nosso congresso: os pastores José dos Clichês, Eli Cóptero,
Joedsnei Lândia, Edson Alto e Antônio Grito. Estamos aguardando a chegada do
pastor Caio Riso, que já está na cidade e será o preletor nesta tarde. Como
vamos saudá-los? Fiquemos de pé...
— Sois
bem-vindos em nome de Jesus e voltem sempre! — brada a multidão.
Feitas as
apresentações, o pastor "puxa" o corinho "Visitante seja
bem-vindo", enquanto Marionete, surpresa, diz a Títere que não conhece o
pregador da tarde. O pastor então chama mais uma vez o grupo de louvor, pedindo
a Dan Sá que cante e anime o povo até que o pregador chegue (este pedira para
ficar no hotel, ao lado do ginásio, até minutos antes da pregação, mas já
estava atrasado em mais de trinta minutos em relação ao horário que combinara
com a direção do evento).
— Você
está alegre nesta tarde? Então dê um abraço no seu irmão — diz o líder do grupo
de louvor. — Nós vamos agora celebrar com júbilo ao Senhor, com tudo o que há
em nós. Não permita que o irmão, ao seu lado, fique parado. Assim como Miriã e
Davi dançaram, nós vamos fazer isso agora...
O pastor
pede para alguém ir buscar o preletor, e os músicos começam a tocar. O grupo de
coreografia também entra em ação, e alguns integrantes pulam e levantam as
pernas de modo alternado; outros rodopiam no palco, tudo de maneira
sincronizada. O público vibra, e o momento preparatório de "louvor"
para a pregação estende-se por longos trinta minutos, quando enfim o preletor
aparece.
— Agora
vamos a um momento muito especial do culto — diz o pastor Joselito Lerante. — É
a hora de semearmos. E sabemos que, quando contribuímos para a obra de Deus,
estamos plantando no campo material para receber bênçãos materiais e
espirituais.
O pastor
lê 2 Coríntios 9, ora com o povo e convida a cantora Ana Gita, que já assume o
microfone gritando:
—
Uhuuuuu... Eu quero ouvir o povo de Deus cantar comigo!
— Uh, uh,
uh, uh, uh, uh... — o povo responde, ao som de uma introdução instrumental bem
ritmada, e ela inicia a sua performance, dançando e entoando a canção
"Restituição para os que semeiam".
No meio
da efusiva multidão, o irmão Títere, mesmo confuso, ao ver todos à sua volta
gritando e dançando, une-se a Marionete...
Enfim,
chega o tão esperado momento. O pastor chama o seu filho, o presbítero Irineu
Ófito, para orar. E, quando todos pensam que ele fará isso, ocorre o
inesperado. Ansioso para apresentar o seu novo CD de mensagens, Neófito — como
é chamado por seu pai — aproveita a oportunidade para fazer uma revelação pra
lá de estranha.
— Eu
estava orando pela manhã, e Deus me disse que, neste dia, Ele levantaria cem
irmãos que comprariam o meu CD. Quantos aqui têm coragem de abençoar o meu
ministério? Não resista ao chamamento do Espírito Santo.
Alguns
irmãos, como Títere e Marionete, acabam murmurando, porém outros, prontamente
dirigem-se à tribuna para adquirir o CD "É muita unção", de Irineu
Ófito, que se auto-intitula conferencista internacional... Bem, esse momento
comercial dura quase vinte minutos, e o povo, cansado, perde um pouco do ânimo
para ouvir a pregação da tarde...
— Olha,
Nete, tomara que o culto da noite não seja tão agitado. Eu não imaginava que
fosse assim...
— Calma,
Tite. Você nem parece que gosta do reteté? As coisas são assim mesmo. É o
Espírito Santo quem dirige isso aqui, sabia?
Enquanto
eles conversam, Neófito ora e entrega o microfone ao pastor Caio Riso, que,
aparentando certa irritação, ironiza:
— Eu
pensei que hoje não teríamos pregação, pastor Joselito — risos. — A-le-lu-ia —
diz, em tom de deboche.
Enquanto
Caio — um tanto obeso — suspende a calça, olhando para o povo e os obreiros do
púlpito, muitos começam a dizer aleluias e glórias a Deus. Fica patente a
facilidade que o pregador tem de cativar o público.
— Eu
quero cumprimentar o povo de Deus com a sacrossanta paz do Senhor, amém?
—
Amééééééééém!
— é bom
estar de novo nesse congresso. No ano passado eu não pude estar aqui porque fui
levar fogo a vários países da Europa... Aqueles alemães, franceses, italianos e
portugueses agora sabem o que é a unção da loucura...
— risos.
— Bem, antes de lermos uma passagem da Bíblia, abrace pelo menos três irmãos e
diga-lhes: "É bom estar nesse congresso".
Caio Riso
então suspende a calça novamente, faz o povo ler com ele o texto de João 14.12
e brada:
— Nesta
tarde, este lugar vai tremer! Você já pode começar a mandar glória para cima,
pois Jeová já está mandando poder para baixo. Coisas maiores do que as feitas
por Jesus nós faremos agora. Se o seu cabelo começar a crescer, não fique
preocupado; se o seu vestido justo ficar solto no corpo, irmã que se sente
gorda, isso tudo é coisa nova para nosso tempo. Receeeeeebaaaaa...
O povo alvoroça-se,
e o presbítero Neófito é o primeiro a começar a rodopiar na tribuna. Vários
cantores e pastores o acompanham. E o pregador continua:
— Mas eu
não vim aqui somente para pregar milagres. Tem fariseu aqui neste altar!
— Êta,
Jeová! Fala mesmo, meu Pai! — grita a irmã Marionete, enquanto o seu esposo,
Títere, cabisbaixo, parece estar preocupado.
— Hoje
Jesus vai quebrar as suas pernas! — diz o pregador. — Prepare o lombo, fariseu!
Você que vive julgando o sobrenatural de Deus, que despreza os sinais desta
última hora, nesta tarde você vai conhecer a unção da loucura de Deus!
Receeeeebaaaaaa... — sons de línguas não inteligíveis por parte do pregador,
dos obreiros do púlpito e da multidão. Algumas pessoas começam a cair...
E o
pregador prossegue:
— Encosta
aí testa com testa. Olha dentro do olho do seu irmão e lhe diga: "Satanás,
você está derrotado".
Inconformado,
Títere não obedece ao pregador e diz à Marionete:
— Que é
isso? Eu vou dizer para você essas palavras?
— Não é
para mim, Tite, é para o Diabo.
— Mas,
Nete, por que eu tenho de falar isso olhando para você?
— Tá bom,
tá bom; preste atenção à mensagem.
O
pregador, então, segurando a mão do pastor José dos Clichês, lhe pergunta:
— Tem
sapato de fogo? Tem sapaaaato?
E, vendo
Clichês balançar a cabeça positivamente, sopra sobre ele, e... Bum! O famoso
pregador das frases de efeito estatela-se no chão.
— Pule,
pule, pule! — continua Caio Riso. — Pule com um pé só! Pule! Não se importe com
que vão pensar de você. Pule, pule, pule! Receeeebaaa...
Ao som de
línguas não inteligíveis, aleluias, glórias a Deus e outras expressões, ele
prossegue:
— Já tem
cabelo crescendo aí? Veja se tem dente de ouro em sua boca.
Títere
está admirado, pois ainda não houve propriamente uma pregação, e o povo parece
não sentir falta disso. O importante para todos é o reteté...
— Nesta
tarde, Deus vai batizar com o Espírito Santo. Quem aqui no púlpito tem sapato
de fogo? Eu quero ver. Levante a mão. Venham até aqui. Eu vou ungir a mão de
vocês, e a minha unção vai passar para cada um.
O
pregador então declara que a sua unção está sendo transmitida àqueles obreiros
e lhes ordena:
— Desçam
agora e coloquem a mão na cabeça de quem não é batizado. O milagre vai
acontecer agoooooooraaaaa... Receeeeebaaaaaa...
Muitos
caem; alguns ficam inertes, outros, parecendo estar energizados, movimentam-se
rapidamente... Títere continua preocupado. Ele nada sente e está incomodado
pelo fato de o pregador não expor a Palavra de Deus.
— Se
alguém cair perto de você, pode deixar caído; ele vai receber a cirurgia do céu
— afirma o pregador.
Pessoas
começam a rolar pelo chão. Outras andam como se fossem quadrúpedes, emitindo
sons estranhos. E ainda outras permanecem em pé, mas batem os braços, como se
quisessem levantar vôo...
— Meu
Deus, o que é isso? — pensa Marionete. Na verdade, nem ela esperava ver o que
estava acontecendo...
De
repente, o preletor silencia, levando todos a se calarem.
Após
alguns instantes, ele começa a rir...
— Há, há,
há, há, há...
Esse é o
momento do culto mais difícil para Títere e Marionete. Ambos estão confusos, ao
ver pessoas caírem ao chão rindo, rugindo, mugindo... Vários irmãos não
concordam com o que vêem e retiram-se do local. Outros permanecem no lugar,
mas, apesar de serem instigados pelo pregador milagreiro, não se movem.
E assim a
reunião da tarde foi se prolongando, até o pregador entregar o microfone ao
pastor Joselito Lerante. Como as horas estavam avançadas, ele tratou de
terminar logo o culto, avisando os irmãos de que a reunião da noite teria como
pregador um amigo seu de infância, que ele não via há muito tempo...
— Qual é
o nome dele, Nete? — pergunta Títere.
— Não
sei, meu bem. Quem poderia ser?
Muitas
pessoas ainda estão alvoroçadas, como conseqüência da "pregação" de
Caio Riso, mas o pastor Joselito, olhando para o relógio, ora depressa e
impetra a bênção apostólica.
Fim de
reunião, na parte da tarde.
Uma hora
depois...
— Nós
abrimos este culto em teu nome, ó Jesus Cristo! ao pequeno e ao adulto, luz
divina vem dar por isto... — o presbítero Ed Jesus, designado pelo pastor
Joselito Lerante, começara o culto no horário com uma oração e já estava
cantando um conhecido hino, acompanhado por alguns músicos que já haviam
chegado ao local.
Pessoas
vão chegando e acotovelam-se, disputando um bom local, onde possam ouvir a
pregação. A expectativa é grande, principalmente por se tratar de um pregador
novo — boa parte do povo está no congresso à espera de novidades.
Marionete
conheceu no intervalo entre as duas reuniões a irmã Santa. Ambas nem saíram do
ginásio, a não ser para ir ao toalete, a fim de não perderem o lugar. O mesmo
não ocorreu com Títere, que saiu para comer um sanduíche, e um irmão idoso
sentou-se em seu lugar. Constrangido, fez o certo: preferiu ficar em pé do lado
de fora e acompanhar tudo pelo telão.
— Você
conhece o pregador de agora à noite, irmã Santa? — pergunta Marionete.
—
Sinceramente, não, porém estou orando para Jesus usá-lo poderosamente. O que
aconteceu à tarde não me agradou. Precisamos ouvir a exposição da Palavra, pois
o verdadeiro poder do Espírito Santo ocorre em decorrência da pregação bíblica.
Isso eu aprendi com o meu pastor Alípio Neiro, de saudosa memória, o qual me
ensinou que o verdadeiro culto fervoroso, pentecostal, onde o Espírito Santo de
fato age, é o que é feito com ordem e decência.
— Bem,
irmã Santa, eu também achei estranho o que aconteceu agora há pouco, mas quem
somos nós para julgar? Eu só sei de uma coisa: o pastor Joselito Lerante só
convida pregador de renome. Ele gosta de ver o povo bem satisfeito e animado.
Por isso, estou achando estranho ele não querer divulgar o nome do preletor
dessa noite. É possível que até ele esteja um tanto preocupado com o desempenho
do novo expoente...
Como
todos ali estão acostumados a ouvir famosos conferencistas, que se vestem como
astros e se gabam de ter pregado em inúmeros países — e que costumam chegar em
cima da hora para pregar —, os olhos permanecem fitos no púlpito, a espera de
alguém diferente dos que ali já estão. Há um obreiro sentado ao lado do pastor,
mas ninguém aposta que seja ele o preletor, haja vista a sua simplicidade.
O culto
da noite desenrola-se de maneira similar ao da tarde, até ao momento da
Palavra. Entra então em cena o pregador...
Marionete
e Santa precisaram sair do local porque a segunda, sentindo falta de ar,
preferiu ver o culto pelo telão, e a outra a acompanhou. Por isso, não
presenciaram o momento em que o preletor foi apresentado. Quando se apercebem,
ele já está falando...
Decorridos
alguns minutos de sua prédica, a apatia toma conta de quase toda a platéia. A
semelhança do que aconteceu no Areópago, em Atenas — quando Paulo pregou sobre
Jesus e a ressurreição (At 17.18) —, o público fica dividido. Muitos bocejam,
outros ficam inquietos, incomodados. Percebe-se nitidamente, pelas reações das
pessoas, que o pregador não tem habilidade para animar o auditório; sua
pregação não é daquelas que elogiam os crentes, dizendo que são vencedores.
— Só pode
ser uma brincadeira — alguém comenta. — Convidaram esse aí para pregar em nosso
congresso? Que roupa é essa? Ninguém merece! Parece até que esse simplório veio
de outro mundo, com essa roupa surrada...
Outros
também opinam, mas só em pensamento:
—
Pregador diferente... Não se preocupa em produzir um clima favorável. Não nos
manda repetir isso e aquilo... Acho que ele está escondendo o jogo. Daqui a
pouco vai começar a fazer um movimento. Isso aqui tá muito parado — pensa
alguém.
— Que
pregaçãozinha mais monótona — pensa outro. — Isso aqui não é lugar para ficar
citando passagens bíblicas. É preciso movimentar esse povão, que tá ansioso pra
dar uns glória (sic).
Entretanto,
não é apenas o estilo do pregador que desagrada a maioria dos participantes do
congresso. A mensagem em si os choca, levando alguns pregadores, apinhados no
púlpito, a fazer comentários duros e precipitados:
— Esse aí
definitivamente não é um pregador de congresso. O povo de Deus está aqui para
ser abençoado, e não para ser repreendido. Pra tudo tem hora. Ah, se fosse
eu... Esse povo, com certeza, já estaria todo agitado, gritando, pulando...
Esse pregador não gosta do reteté.
Mas
alguns irmãos alegram-se com a postura do pregador:
— Fala,
Senhor, é isso mesmo que precisamos — alegra-se a irmã Santa, em tom baixo.
As
características do pregador chamam mesmo a atenção de todos. Ele demonstra ser
simples, humilde, mas fala com muita autoridade. Fala de modo firme, embora não
grite como os famosos animadores de auditório, que, com berros intermináveis,
quase derramam as entranhas pela boca.
Outra
qualidade surpreendente do pregador é a sua seriedade; ele não conta piadas nem
faz gracejos; apenas emprega pertinentes ilustrações. O estranhamento não é
para menos; todos esperavam um pregador que soubesse cativar a platéia,
demonstrando a sua "unção" com gritos "supersônicos" ou
conduzindo o povo à interação por meio da repetição de frases de efeito, do
tipo olhe-para-o-seu-irmão-e-diga-isso-e-aquilo.
Irmã
Santa está feliz da vida com o pregador e sua pregação:
— Ah, se
todos fossem assim! Quem dera os renomados pregadores deixassem de lado as suas
extravagâncias e pregassem o genuíno evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo!
Como tenho saudades daquelas pregações contundentes — vindas do alto — que me
faziam chorar, arrependida por não ser como o Senhor gostaria que eu fosse...
Sempre saía do templo revigorada, renovada, disposta a melhorar a cada dia...
O
pregador vai direto ao assunto. Dispensando qualquer apresentação de currículo
— uma prática comum entre os pregadores famosos —, baseia-se em Isaías 40.3 e
põe-se a dizer, com veemência, que o tema de sua exposição é:
"Arrependam-se porque é chegado o Reino dos céus".
— A
mensagem que Deus me deu para transmitir-lhes não costuma agradar aqueles que
vêm aos cultos para receber bênçãos, e não para oferecer o que têm de melhor ao
Senhor. Precisamos nos converter a Cristo, a cada dia, e seguirmos à
santificação, renunciando-nos a nós mesmos. Vocês estão dispostos a isso? Ou
pensam que a vida cristã resume-se ao recebimento de bênçãos?
Parecendo
atender à irmã Santa, ele continua:
—
Arrependam-se? — cochicham dois obreiros sentados na tribuna. — Quem convidou
esse pregador? Ele parece que nunca pregou em um congresso! Isso não é hora nem
momento de falar em arrependimento. É preciso motivar essa "moçada".
Ao ouvir
isso, outro obreiro responde:
— É
verdade. E que história é essa de dizer que o Reino dos céus é chegado? Jesus
pregava isso quando veio à Terra, e nem por isso o Reino chegou. Paulo e Pedro
disseram que o Senhor voltará, e até agora isso não aconteceu. Por que pregar
hoje sobre a Segunda Vinda, se muitos não conhecem sequer a primeira? Eu acho
que nós temos é que pregar sobre bênçãos materiais e milagres.
Mas o
pregador, que não estava nem um pouco preocupado com o que o povo ou os
obreiros à sua retaguarda estavam achando da mensagem, prossegue:
—
Endireitem as suas veredas. Confessem os seus pecados. Não é tempo de
priorizarmos os bens materiais. Temos de pensar nas coisas que são de cima,
onde está o nosso Senhor Jesus. O nosso Salvador também alerta-nos, em
Apocalipse 3.11: "Eis que venho sem demora; guarda o que tens, para que
ninguém tome a tua coroa".
No meio
do povo há alguns grupos, seguidores dos mais diversos modismos da atualidade.
Sem medo e com muita convicção, o pregador dirige a esses uma contundente
palavra:
— Quem os
ensinou a fugir da ira futura? Produzam frutos dignos de arrependimento. O
machado está posto na raiz das árvores. Toda a árvore que não produz bom fruto
é cortada e lançada no fogo.
Muitos
não entendem essa mensagem, não percebendo que o pregador os estava comparando
a árvores, e que eles deveriam dar bons frutos, isto é, suas obras teriam de
agradar a Deus, a menos que quisessem ser cortados — condenados pelo Senhor, o
Justo Juiz. O expoente, em momento algum, fala de sonhos de Deus, prosperidade
material, tampouco promete bênçãos ao auditório, deixando a maioria das pessoas
insatisfeitas. Seu objetivo claramente é falar de Jesus Cristo, o que não
ocorria há muito tempo no Congresso de Reteté.
— Irmãos,
Jesus é maior e mais poderoso do que eu. Convém que Ele cresça, e que eu
diminua — diz ele, demonstrando sua inteira submissão a Jesus, além de deixar
claro que não queria que o público o admirasse mais do que ao Senhor.
— Ih, já
vi tudo... — cochichou outro obreiro da tribuna. — Esse pregador segue àquela
escola ultrapassada, sem carisma; nem sabe interagir com o público...
Mas ele,
cheio do Espírito Santo e dependendo inteiramente do Senhor, prossegue:
— Esse
Jesus batizará com o Espírito Santo os que se arrependerem e confessarem os
seus pecados. Se vocês fizerem a parte de vocês, Ele fará uma grande obra em
nosso meio — sons de aleluias, glórias a Deus e línguas estranhas, pronunciadas
pelo pregador e por alguns crentes.
Muitos,
acostumados com mensagens de auto-ajuda, ficam confusos, mas alguns abrem o
coração, dando liberdade para o Espírito de Deus agir...
Para quem
esperava um show-man, o pregador não agradou. Contudo, para quem ama a Palavra
de Deus, ele não destoou, falou a verdade sem valer-se de estratégias para
animar o auditório. Ele entregou tudo o que o Senhor lhe deu. E houve
resultados, que muitos não conseguiram ver ou não quiseram admitir...
Chega,
finalmente, o momento da conclusão da pregação. Ele convida os pecadores que
desejam receber a Jesus Cristo como Senhor e Salvador, e as pessoas começam a
ir à frente... Muitos louvam a Deus em alta voz, e o pregador, após fazer uma
oração, senta-se sem nenhum estardalhaço. Nesse momento, a maioria dos
pregadores do púlpito põe-se a criticar a direção do evento por ter convidado
um pregador tão comum e sem graça...
A reunião
da noite enfim termina com um excelente saldo.
Não houve
o tal reteté, mas almas renderam-se a Cristo, crentes foram edificados pela
Palavra, e alguns foram batizados com o Espírito Santo...
Acompanhado
de uma comitiva, o pastor Joselito Lerante pergunta ao pregador:
— Agora
nós vamos sair para jantar. O que o irmão gostaria de comer, pizza ou picanha?
— Bem,
para dizer a verdade, o meu prato preferido é gafanhoto com mel silvestre...
Enfim
esta narrativa, demonstra quase que perfeitamente a realidade de um culto
pentecostal, não é dificil perceber que perdeu-se o foco da palavra que é nada
mais do que a salvação dos pecadores através da mensagem de Jesus Cristo.
[1] Zibordi,
Ciro Sanches – Mais erros que os pregadores devem evitar – CPAD, Rio de
Janeiro, RJ, 2007.