Muito se discute sobre o conceito de vida, sendo que diversos estudiosos
sejam eles juristas ou não, tentaram de alguma forma definir tal assertiva.
No dicionário Houaiss da Língua Portuguesa[1],
apesar dos diversos conceitos lá tratados os que mais se enquadram para a
abordagem pretendida no presente trabalho são as seguintes:
3. O período de um ser vivo
compreendido entre o nascimento e a morte; existência...5. Motivação que anima
a existência de um ser vivo, que lhe dá entusiasmo ou prazer; alma, espírito.
8. O conjunto dos acontecimentos mais relevantes na existência de alguém. 9.
Meio de subsistência ou sustento necessário para manter a vida.
Vale lembrar as palavras de ANTÔNIO CHAVES[2]
na tentativa de conceituar a vida em sua plenitude: Quem poderá definir essa pulsação misteriosa, própria dos
organismos animais e vegetais, que sopita inadvertida nas sementes de trigo
encontradas nos sarcófagos de faraós egípcios e que germina milagrosamente
depois de dois milênios de escuridão, que se oculta na gema de uma roseira que
mãos habilidosas transplantam de uma para outro caule, que lateja, irrompe e
transborda na inflorescência de milhões de espermatozóides que iniciam sua
corrida frenética à procura de um único óvulo, a cada encontro amoroso?
O direito à vida é um dos princípios constitucionais elencados no caput do art. 5º da Constituição Federal
de 1988, considerado a mais importante garantia constitucional fundamental. Na realidade, o direito a vida, com sua
conseqüente proteção é conjugada como a pilastra-mestra do Estado Democrático
de Direito[3].
Como prescreve Alexandre de Moraes[4] o direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já
que se constitui em pré-requisito a existência e exercício de todos os
demais direitos. A Constituição Federal, é importante ressaltar, protege a vida
de forma geral, inclusive a uterina.
CRETELLA JUNIOR[5] em seus
Comentários à Constituição Brasileira de 1988 estatui que: Bastaria que se tivesse dito “o
direito” ao invés de “a inviolabilidade do direito à vida”. Se “vida é um
direito” garantido pelo Estado, esse direito é inviolável, embora não
“inviolado”. Se eu digo que é ‘inviolável’ (a correspondência, a intimidade, a
residência, o sigilo profissional), ‘ipso
facto’, estou querendo dizer que se trata de rol de bens jurídicos dotados
de inviolabilidade (inviolabilidade da correspondência, da intimidade, da
residência, do sigilo profissional)... O direito à vida é o primeiro
dos direitos invioláveis, assegurados pela Constituição. Direito à vida é expressão que tem, no mínimo,
dois sentidos, (a) o “direito a
continuar vivo, embora se
esteja com saúde” e (b) “o direito
de subsistência”: o primeiro,
ligado à segurança física da pessoa humana, quanto a agentes humanos ou não,
que possam ameaçar-lhe a existência; o segundo, ligado ao “direito de prover à
própria existência, mediante trabalho honesto”...
As
considerações de MARIA HELENA DINIZ[6]: O direito à vida, por ser
essencial ao ser humano, condiciona os demais direitos da personalidade. A
Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, caput, assegura a inviolabilidade
do direito à vida, ou seja, a integralidade existencial, conseqüentemente, a
vida é um bem jurídico tutelado como direito fundamental básico desde a
concepção, momento específico, comprovado cientificamente, da formação da
pessoa. Se assim é, a vida humana deve ser protegida contra tudo e contra todos, pois é
objeto de direito personalíssimo. O respeito a ela e aos demais bens ou
direitos correlatos decorre de um dever
absoluto ‘erga omnes’, por sua própria natureza, ao qual a ninguém é lícito desobedecer.
Garantido está o direito à vida pela norma constitucional em cláusula pétrea, que é
intangível, pois contra ela nem mesmo há o poder de emendar, tem
eficácia positiva e negativa. A vida é um bem jurídico de tal grandeza que se
deve protegê-lo contra a insânia coletiva, que preconiza a legalização do
aborto, a pena de morte e a guerra, criando-se normas impeditivas da prática de
crueldades inúteis e degradantes. Estamos no limiar de um grande desafio do século XXI,
qual seja, manter o respeito à
dignidade humana.
No mesmo sentido, PONTES DE MIRANDA[7]
assevera: O direito à
vida é inato; quem nasce com vida, tem direito a ela. Em relação às
leis e outros atos, normativos, dos poderes públicos, a incolumidade da vida é
assegurada pelas regras jurídicas constitucionais e garantida pela decretação
da inconstitucionalidade daquelas leis ou atos normativos. O direito à vida é
direito ubíquo:
existe em qualquer ramo do direito, inclusive no sistema jurídico supraestatal.
O direito à vida é inconfundível com o direito à comida, às vestes, a
remédios, à casa, que se tem de organizar na ordem política e depende do
grau de evolução do sistema jurídico constitucional ou administrativo. O
direito à vida passa à frente do direito à integridade física ou psíquica. O
direito de personalidade à integridade física cede ao direito de personalidade
à vida e à integridade psíquica.
ALEXANDRE
DE MORAES lembra-nos que: A Constituição
Federal proclama, portanto, o direito à
vida, cabendo ao
Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao
direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à subsistência[8].
Já
PONTE DE MIRANDA faz uma comparação bastante interessante, no que concerne à dignidade da vida humana, senão vejamos: O direito ao salário mínimo,
que não se confunde com o direito ao mínimo vital, que é o direito à existência.[9]
O direito á vida é classificado como direitos humanos em todas as
principais declarações internacionais que tratam do assunto, surgindo como o
mais importante deles, por se tratar justamente de pressuposto imprescindível
para a obtenção e o exercício de todos os demais direitos.
O direito a vida é classificado como sendo dos direitos de primeira
geração ou dimensão[10],
os quais são conhecidos como os direitos a liberdade. São normas básicas que
tem por escopo estabelecer limites ao Poder Público[11].
Como regra, esses direitos são de eficácia plena e aplicabilidade
imediata, sendo que a própria Constituição Federal define sua aplicação.
Segundo Nelson Nery Junior “todo e qualquer direito previsto na
Constituição, no artigo 5º, poder ser desde já invocado, ainda que não exista
norma infraconstitucional que o regule[12].
O direito à vida, sem qualquer discussão doutrinária mais ampla é o mais
fundamental de todos os direitos inerente ao homem, já que se constitui em
pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos, cabendo ao
Estado assegurá-lo em sua dupla acepção: a primeira relacionada ao direito de
continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à subsistência.
Vale lembrar ainda que segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos
de 1948, especificamente em seu artigo III, o direito à vida é analisado como
um direito fundamental.
Inclusive o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos,
aprovado pela XXI sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, estabelece que: “1. O direito á vida é inerente á pessoa
humana. Este direito deverá ser protegido pela lei, ninguém poderá ser
arbitrariamente provado de sua vida (parte III, art. 6).
Para Alexandre de Moraes “o direito humano fundamental à vida deve ser
entendido como direito a um nível adequado com a condição humana”. Sendo assim,
devem ser respeitados e, conseqüentemente, atendidos todos os direitos
constantes na Lei Maior, como: educação, cultura, lazer,
assistência médica, alimentação e demais condições vitais[13]
O direito á vida deve ser associado a um direito da própria conservação
da vida, em que o indivíduo pode gerir e defender sua vida, mas não pode dela
dispor, apenas justificando ação lesiva contra a vida em casos de legitima
defesa e estado de necessidade.
Canotilho[14] aduz que o direito à vida é um direito subjetivo de defesa,
pois é indiscutível o direito de o indivíduo afirmar o direito de viver, com a garantia
da "não agressão" ao direito à vida, implicando também a garantia
de uma dimensão protetiva deste direito à vida. Ou seja, o indivíduo tem
o direito perante o Estado a não ser morto por este, o Estado tem a obrigação
de se abster de atentar contra a vida do indivíduo, e por outro lado, o
indivíduo tem o direito à vida perante os outros indivíduos e estes devem
abster-se de praticar atos que atentem contra a vida de alguém. E conclui: o
direito à vida é um direito, mas não é uma liberdade.
Capelo de Souza[15] revela: A vida
humana, qualquer que seja sua origem, apresenta-nos, antes de mais, como um
fluxo de projeção colectivo, contínuo, transmissível, comum a toda a
espécie humana e presente em cada indivíduo humano, enquanto depositário,
continuador e transmitente dessa energia vital global...constitui um elemento
promordial e estruturante da personalidade...a vida humana é susceptível de
diversas perpectivações...
O autor supra, entende que não há apenas um direito
de vida (a conservação da vida existente), mas também um direito
à vida (ao desdobramento e evolução da vida e até mesmo à consecução do
nascimento com vida)[16].
Alfredo Orgaz[17],
aduz que a vida constitui um pressuposto
essencial da qualidade de pessoa e não um direito subjetivo desta, sendo
tutelada publicamente, independente da vontade dos indivíduos. O consentimento
dos indivíduos é absolutamente ineficaz para mudar esta tutela, não sendo possível, assim, haver um
verdadeiro "direito" privado à vida. Neste sentido, são absolutamente nulos
todos os atos jurídicos nos quais uma pessoa coloca sua vida à disposição de
outra ou se submeta a grave perigo.
O direito á vida possui intima ligação com a
dignidade, ou mesmo com a plenitude de vida. Assim, o direito á vida não é pura
e simplesmente o direito de sobreviver, mas de viver dignamente.
Existe entendimento de que o termo “dignidade”
é mais abrangente que “vida”, nos termos estabelecidos por Capelo de Souza[18],
mencionando Antônio Luiz de Seabra sobre comentários da Constituição
Portuguesa: “ dignidade” é mais abrangente que vida, ou seja, não basta a vida,
se esta não é digna... todos os seres
humanos têm a mesma dignidade vital[19]
Inclusive a Constituição Federal refere-se o
direito à vida, em outros artigos além daquele previsto no caput do art. 5º, a
saber: nos art. 227[20]
e art. 230[21].
O próprio ordenamento jurídico estabelece claramente distinção entre a
vida humana dependente e independente, ao sancionar com maior rigor o homicídio
em relação ao aborto.
É certo, que vida humana se inicia com a fecundação, mas a proteção
tutelada pelo ordenamento jurídico só tem início a partir do momento em que o
óvulo fecundado se fixa na parede uterina, dando início a gestação.
A lei civil brasileira considera pessoa o ser humano que nasce com vida.
Todavia, do ponto de vista penal, a vida humana é tutelada desde o período
intra-uterino. Isso ocorre, pois quando o legislador define a conduta delitiva
do aborto, do infanticídio visa proteger a vida humana.
Entretanto, em que pese todos os princípios, normas e discussões em torno
do direito a vida, é indiscutível que não se trata de um direito absoluto,
porquanto a própria legislação estabelece exceções a sua tutela.
Inclusive em recente julgamento do Supremo Tribunal Federal[22],
por maioria de votos, a Corte, julgou procedente ação proposta pela
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS, para declarar a
inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez
de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, I e II,
todos do Código Penal.
A legislação infraconstitucional também tutela o direito a vida, principalmente
quando se verifica o Título I, Capítulo I do Código Penal, em sua parte
especial. Em tal Título se encontram tipificados aqueles crimes que tutelam e
protegem justamente o direito à vida do homem, quais sejam: o homicídio, o
induzimento, instigação ou auxílio a suicídio, o infanticídio e por fim o
aborto em suas várias formas.
[1]
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
[2] CHAVES, Antônio. Direito à vida
e ao próprio corpo (intersexualidade, transexualidade, transplantes). 2ª ed. revista
e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994, p. 16.
[3] JUNIOR. Nelson Nery. NERY, Rosa Maria de Andrade.
Constituição Federal Comentada. Revistas dos Tribunais. 2006. P. 118.
[4] MORAES. Alexandre de. Direito
Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Editora Atlas S. A., 2000, p. 61.
[5] CRETELLA JÚNIOR. José. Comentários à
Constituição Brasileira de 1988. vol. I, art. 1º a 5º, LXVII. Rio de Janeiro: Editora Forense
Universitária, 1988. p. 182/183.
[6] DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual
do Biodireito. São Paulo: Editora Saraiva, 2001. p. 22/24.
[7] PONTES DE MIRANDA. Tratado de
Direito Privado. Parte Especial, Tomo VII. 3ª ed, reimpressão. Rio de Janeiro, Editor
Borsoi: 1971. p. 14/29.
[8] Obra citada, p.
62.
[9] Obra citada,
p.16.
[10] SALERT, Ingo. A Eficácia dos Direitos
Fundamentais. 5 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. P. 53.
[11] MORAES, Alexandre de. Direito
Constitucional. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.27
[12] JUNIOR. Nelson Nery. NERY, Rosa Maria da Andrade. Constituição
Federal Comentada. p. 140
[13] MORAES. Alexandre de. Direitos Humanos
Fundamentais. 5º ed. São Paulo: Atlas, 2003. P. 87.
[14] CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito
Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª edição. Coimbra (Portugal):
Livraria Almedina, 2000. p. 526/533/539.
[15] SOUZA, Reindranath V. A. Capelo de. O Direito Geral de Personalidade. Coimbra, Portugal: Coimbra Editora, 1995. p.
203/204.
[16] Obra citada, p.
207.
[17] ORGAZ, Alfredo. Personas
Individuales. Buenos Aires, Argentina: Editorial Depalma, 1947.
[18] Obra citada, p.
78.
[19] Obra citada, p.
205.
[20] Art. 227. É dever
da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida,..
[21] Art. 230. A
família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparas as pessoas idosas...e
garantindo-lhes o direito à vida
[22]
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54
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