1. INTRODUÇÃO
Inquestionavelmente,
o assunto é relevante. Nestes derradeiros dias, desenvolve-se assustadoramente
a tendência à violação do segredo pelas comunicações telefônicas.
A verdade é que
o telefone se tornou indispensável nas relações pessoais e, por esta razão, as
violações das conversas telefônicas, adquiriram proporções gigantescas.
Calcula-se que hoje são instalados no Brasil
cerca de 1.500 grampos por dia. Outro dado importante, é que por dia, cada
pessoa é filmada 19 vezes, entre estabelecimentos públicos e privados.
Na era da
telefonia celular, a escuta tornou-se ainda mais fácil. Um pequeno aparelho
chamado Icon R-1, que cabe na palma da mão, com um ajuste, pode rastrear
conversas de celulares próximos.
A lei nova, apesar
de suas imperfeições, trazendo dúvidas de interpretações, ainda assim teve
salutar avanço. Superada esta introdução, passemos a analise da lei em comento.
2. DA ORIGEM HISTÓRICA
Antes do atual
texto constitucional, nossa Carta Magna assegurava o sigilo das
telecomunicações. Paralelamente, estava em vigor o art. 57 do Código Brasileiro
de Telecomunicações, instituído pela Lei 4.117, de 27/8/62[1].
Porém o STF decidiu a ilicitude da prova
colhida na fase do inquérito policial, ao julgar um Habeas Corpus, no crime de
tráfico de entorpecentes, o entendimento foi que não existia legislação
regulamentadora. (STF – HC 74116/SP – Rel. Min. Néri da Silveira).
Cumpre
mencionar, o julgamento da (Ação Penal N.º 307-3/DF), onde figuravam como autor
o MPF e como réus o ex-presidente Fernando Affonso Collor de Mello, Paulo César
Farias e outros, sendo que no plenário, o STF acatou por maioria de votos a
preliminar da defesa, para declarar inadmissíveis as provas constantes no laudo
de gravação de conversa telefônicas, sendo vencidos parcialmente os votos dos
ministros Carlos Veloso, Sepúlveda Pertence e Neri da Silveira.
Por fim, ante
ao caso de repercussão política, foi promulgada em julho de 1996 a Lei 9.296,
objeto deste estudo.
3. DOS MEIOS DE PROVA
Os meios de prova podem ser lícitos (aqueles admitidos pelo ordenamento
jurídico) ou ilícitos (aqueles contrários ao ordenamento). Enfatizando que
somente os primeiros devem ser levados em conta pelo juiz.
Já com relação aos meios ilícitos, é importante destacar que eles
abrangem não somente os que forem expressamente proibidos por lei, como também
os atentatórios aos bons costumes e os contrários aos princípios gerais do
direito.
Segundo o autor Guilherme de Souza
Nucci[1]:
“Todas as provas que não contrariem o ordenamento jurídico
podem ser produzidas no processo penal, salvo as que disserem respeito, por
expressa vedação do art. 155, parágrafo único, do Código de Processo Penal, ao
estado das pessoas (casamento, menoridade, filiação, cidadania, entre outros)¨.
De acordo com esse autor, deve-se acatar o disposto na lei civil. Exemplo
disso é a prova do estado de casado, que, como regra, se faz pela apresentação
da certidão do registro civil, de nada valendo outro meio probatório.
Sendo assim, essas restrições fixadas na lei civil, não são válidas no
processo penal. Como exemplo, é quando a lei processual civil autoriza que o
juiz indefira a produção de prova testemunhal, quando relacionar sobre fatos,
conforme o artigo 400 do Código do Processo Civil, incisos I e II, ou seja, se
esses fatos já provados por documento ou confissão da parte ou quando só por
documento ou por exame pericial puderem ser provados.
Já essa tal restrição não vale para o processo penal, pois não abordando
sobre o estado das pessoas, a parte, caso queira, pode ouvir testemunhas, mesmo
que seja para contrariar determinado fato em qualquer tipo de documento ou
mesmo confirmando ou afastando a credibilidade da confissão.
Quanto aos meios de prova, existe a prova emprestada que é aquela que foi
criada em outro processo e, de acordo com sua reprodução documental é juntada
no processo criminal pendente de decisão.
Só que o juiz tem que verificar de onde a mesma teve origem, se houve o
indispensável devido processo legal, como também o contraditório, ou seja, se
as mesmas partes estavam envolvidas no processo em que a prova foi efetivamente
produzida.
A Lei 11.690-2008, alterando o conteúdo do artigo 157 do Código de
Processo Penal, ou seja, determinou importantes balizas para o sistema de
avaliação das provas ilícitas, ou seja, tornou-se gênero a expressão provas
ilícitas, do qual surgem as espécies, as quais são as obtidas em violação a
normas constitucionais ou legais. Enfatizando que envolvem tanto as penais
quanto as processuais penais.
Em seguida, foi adotado o sistema da prova ilícita por derivação (artigo
157, parágrafo 1º do Código de Processo Penal), admitindo-se o critério da
prova separada (artigo 157, parágrafos 1.º e 2.º do Código de Processo Penal).
Quanto à aceitação da prova ilicitamente produzida, há duas teorias:
- A prova ilícita por derivação (frutos da árvore envenenada), que é a prova que decorre de algo ilícito, poderá ser usada, desde que se poderia conseguir por outros meios.
- A teoria da proporcionalidade, que é aquela, onde se pode usar prova ilícita para beneficiar o réu.
De acordo com a teoria da prova ilícita, uma prova produzida por
mecanismos ilícitos, como uma escuta ilegalmente realizada, não poderá ser
utilizada, tão pouco as provas que daí advenha.
É importante destacar que nada adianta a Constituição proibir a prova
conseguida por meios ilícitos, sendo que a prova secundária serviu para
condenar o réu, ignorando que a mesma teve origem em prova de maneira
imprestável.
Enfatizando mais uma vez que a prova ilícita não pode gerar outras que se
tornem lícitas. Só que existe uma única exceção que é a prova de fonte
independente.
A prova originária de fonte
independente não se macula pela ilicitude existente em prova correlata.
4. DIFERENÇAS ENTRE (GRAVAÇÃO CLANDESTINA), (ESCUTA CLANDESTINA) E (INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA)
Segundo o professor Luiz Francisco[1],
as gravações consistem na atitude de registrar conversa própria, submetendo-se
a disciplina diversa das interceptações.
Distinguem-se as interceptações das
escutas, pelo fato de nestas ocorrer o consentimento de um dos interlocutores
telefônicos.
Diferencia-se ainda, as
interceptações telefônicas, propriamente ditas, das interceptações ambientais,
quais sejam aquelas que se realizam em relação a uma conversa entre presentes,
sem interferência nos aparatos telefônicos.
As gravações clandestinas podem ser
feitas através do telefone (gravações clandestinas propriamente ditas) ou entre
presentes (gravações ambientais).
A interceptação de ambiente, feita
por câmeras ou microfones, pode ser utilizada, desde que, não seja em local de
intimidade. (Lei 10.217/2001, artigo 2.º, inciso IV).
As gravações clandestinas não se
submetem à disciplina das interceptações telefônicas; se não importarem em
violação do direito à reserva das comunicações, o seu resultado pode ser
admitido no processo; ainda que se afigurem ilícitas, pode haver justa causa
que as legitime como meio de prova, ou, sob outro enfoque, podem suscitar a
aplicação do princípio da proporcionalidade. As únicas exceções:
1.
Prova ilícita pro reo;
2.
Escuta
telefônica realizada pela policia, comumente nos casos de seqüestro, para
resguardo do valor da vida ou outros cuja relevância imponha o sacrifício da
privacidade de terceiros.
Ao invés de indicar claramente em
que casos e mediante quais requisitos ocorrerá à interceptação telefônica,
optou o legislador pela formulação negativa, ou seja, previu apenas as
hipóteses em que a interceptação “não será admitida”.
A existência de indícios razoáveis
da autoria ou participação em infração penal (Inciso I) constitui o requisito
geral das medidas cautelares, o fumus
boni iuris, referindo-se a autoria ao agente e a infração penal à sua
materialidade.
O segundo requisito geral das
medidas cautelares, o periculum in mora,
vem exigido pela expressão contida no inciso II. Assim, o contrário sensu, se a
prova não puder ser realizada por outros meios disponíveis... Deferir-se-á a
interceptação.
E a última e mais importantes delas,
crime punidos com reclusão (inciso III).
Ressalte-se ainda, nos termos do
artigo 5.º, inciso XII, da Constituição Federal, deverá o pedido para decretação
da interceptação, estar acompanhado de ordem judicial, bem como ser no curso de
investigação criminal ou instrução processual penal.
6. PRAZOS DA INTERCEPTAÇÃO
A decisão que defere a medida
cautelar deverá indicar a “forma de execução” da diligência e a sua duração, de
até 15 dias e renovável por igual período, apenas uma vez, ou seja, no limite
total de 30 dias.
O fato é que na prática, a
autoridade policial, se vale da cautelar de prorrogação, que de praxe segue com
ofício sem número e sem a data, e reenvia quantas vezes necessitar, ou até
mesmo, o próprio magistrado, em sua fundamentação, deferi a prorrogação,
enquanto não cessar a necessidade e for imprescindível para as investigações.
Desta forma, poderíamos dizer que a prorrogação se torna por período
indeterminado.
Quanto à indicação da modalidade de
execução, trata-se de matéria de cunho técnico, para cujo conhecimento, no que
se refere ao modus operandi da
interceptação, a autoridade policial deverá valer-se das empresas concessionárias
de telefonia (art. 7º da Lei).
Outro problema surge no tocante ao
início da interceptação. Se uma determinada linha móvel (DDD) 9-XXXX-XXXX
estiver interceptada com seu áudio redirecionado para uma Delegacia da Policia
Civil-SP, e coincidentemente, for alvo de investigação da Delegacia da Policia
Federal, tecnicamente não será possível programar a interceptação para esta
segunda autoridade policial, devendo a mesma, aguardar o término da primeira
interceptação.
Na prática, o Delegado de Policia,
emite Mandando de Condução Coercitivo, e compulsoriamente, busca um preposto da
empresa de telefonia, para prestar esclarecimentos, pelo não cumprimento da
ordem judicial.
7. LEGITIMIDADE PARA REQUERER
De acordo com o artigo 3º da Lei
incisos I e II, se limita a autoridades policiais e judiciárias.
Questiona-se o fato de o legislador
não haver conferido à defesa a possibilidade de requerer a medida. Mas o
advogado do réu, em nome do principio da proporcionalidade, por constituir
direito de defesa garantia constitucional oponível a intimidade de terceiro,
excepcionalmente poderá requerer diretamente a medida ao juiz.
Já quanto à vítima e o assistente de
acusação, somente poderão requerer a diligência a autoridade policial ou ao MP.
Nos termos do artigo 4º,§ 1º, da
Lei, em casos excepcionais, o juiz poderá admitir o pedido verbal, condicionada
a sua concessão à ratificação por escrito, em vinte quatro horas.
Na realidade, existe outra situação,
que a lei não prevê o caso de quando o próprio Juiz, tendo um caso pessoal,
comparece na operadora pessoalmente, ou entra em contato diretamente com algum
membro da diretoria, e de forma verbal, requisita a interceptação telefônica,
ratificando através de ofício, depois de alguns dias.
8. FORMALIZAÇÃO
A interceptação telefônica será em
autos apartados do inquérito policial, para manter o sigilo. (artigo. 8.º da
Lei).
A razão de ser da autuação em
apartado da medida cautelar de interceptação telefônica consiste,
evidentemente, no sigilo material obtido, bem como a forma de sua aquisição.
Referente o contraditório, com maior
clareza espelhava a disposição contida no Projeto Miro Teixeira: “Do auto e do
resultado da operação será dada ciência ao MP, ao suspeito ou acusado e ao seu
defensor, tão logo o juiz considere que dela não resultará prejuízo ao
prosseguimento das investigações” (artigo. 7.º,§ 1.º).
Logo após o apensamento, deverá o
juiz dar conhecimento da medida cautelar aos envolvidos e seus advogados, sob
pena de violação do principio do contraditório e ampla defesa.
9. CRIMES PREVISTOS NA LEI
O crime de interceptação telefônica
era previsto no art. 151, § 1.º, II, do Código Penal, consistindo na conduta de
quem “indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente
comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação
telefônica entre duas pessoas”.
O art. 10 da Lei 9.296/96, em
comento, revogou tacitamente a disposição do art. 151, § 1.º, II, do Código
Penal. Atualmente, deve-se observar,
tanto a autorização do juiz como preenchimento dos requisitos legais. Sob pena
de não se poder entender como criminosa a conduta de quem, conquanto autorizado
pelo juiz, realiza interceptação para produzir prova num processo de separação
judicial, o que seria um absurdo.
Outra situação prática, é a de que
os operadores da interceptação, não possuem conhecimento adequado da
legislação, exercem a função de Assistente de Ofícios, mas com formação em
administração, e não é difícil encontrar alguns apenas com nível médio.
Conseqüentemente, diariamente, passam-se decisões equivocadas, e clientes das
operadoras, são vitimas e não sabem.
Outro absurdo, é que na decisão
judicial, o Juiz deveria de forma explicita autorizar somente gravações de
conversas ligadas as investigações, mas na prática, é gravado absolutamente
todo o tipo de conversações, inclusive a de convicção intima. Poderíamos, nos
perguntar: - E o cidadão que é interlocutor de boa fé, e tem suas conversas
rastreadas e gravadas? Pois bem, este é mais um dos problemas que abarcam a
lei.
Prova obtida através de
interceptação telefônica autorizada para a investigação de possível prática de
outro delito por parte de outra pessoa, sem qualquer conexão com a infração
penal imputada ao acusado, não se tem como recebê-la, uma vez que essa prova é
ilícita. (TJMG – PROC.1.0000.04.408238-6/000 – Rel. JOSE ANTONIO BAHIA BORGES).
Também não é crime, o fornecimento
de dados cadastrais em poder do provedor de acesso a internet, que permitam a
identificação de prováveis autores de infrações penais, não fere o direito a
privacidade e o sigilo das comunicações, uma vez que dizem respeito à
qualificação de pessoas, e não ao teor da mensagem enviada. (TJMG – Proc.
1.0000.04.414635-5/000 – Rel. PAULO CEZAR DIAS).
O sujeito ativo do crime pode vir a
ser qualquer pessoa, tanto servidores públicos, operadores da empresa de
telefonia, particulares e especialmente os detetives particulares.
No tocante ao juiz autorizar uma medida sem
atender aos requisitos, este incorrerá em abuso de autoridade, enquadrando-se
nas sanções previstas na Lei 4.898/65.
Acrescentou ainda, no artigo 10º em
foco, o tipo “quebrar segredo da justiça”, que visa garantir o sigilo
processual, da diligência. Aqui o delito é próprio, só podendo ser cometido por
quem tem a obrigação de guardar o sigilo: Juiz de Direito, Promotor de Justiça,
Delegado de Policia, Defensor, operadores da empresa de telefonia, escrivão ou
servente.
10. CONCLUSÃO
A interceptação tem se revelado o
principal meio de prova disponível para a constatação de determinados crimes,
principalmente, aqueles que não deixam rastros materiais a serem identificados
por outros meios.
Devemos reconhecer a importância da
Lei 9.296/96, que, se bem utilizada, só tem a contribuir para as investigações.
É fato que, sempre existirá o
binômio: intimidade em ponderação à prova ilícita, questão esta, que deverá ser
analisado pelo Magistrado caso a caso.
[1] AVOLIO,
Luiz Francisco Torquato. Provas
ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas.
3ª. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p – 149.
[1]NUCCI,
Guilherme de Souza. Manual de Processo
Penal e Execução Penal. 5ª. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2008, p – 390.
[1]
FREGADOLLI, Luciana. O direito à
Intimidade e a Prova Ilícita. 3ª. Ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey,
1998, p – 89.
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