sábado, 11 de janeiro de 2014

INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS LEI N.º 9.296/1996 - Dr. Wagner Pedro



1. INTRODUÇÃO


Inquestionavelmente, o assunto é relevante. Nestes derradeiros dias, desenvolve-se assustadoramente a tendência à violação do segredo pelas comunicações telefônicas.

A verdade é que o telefone se tornou indispensável nas relações pessoais e, por esta razão, as violações das conversas telefônicas, adquiriram proporções gigantescas.

  Calcula-se que hoje são instalados no Brasil cerca de 1.500 grampos por dia. Outro dado importante, é que por dia, cada pessoa é filmada 19 vezes, entre estabelecimentos públicos e privados.

Na era da telefonia celular, a escuta tornou-se ainda mais fácil. Um pequeno aparelho chamado Icon R-1, que cabe na palma da mão, com um ajuste, pode rastrear conversas de celulares próximos.

A lei nova, apesar de suas imperfeições, trazendo dúvidas de interpretações, ainda assim teve salutar avanço. Superada esta introdução, passemos a analise da lei em comento.


2.  DA ORIGEM HISTÓRICA



Antes do atual texto constitucional, nossa Carta Magna assegurava o sigilo das telecomunicações. Paralelamente, estava em vigor o art. 57 do Código Brasileiro de Telecomunicações, instituído pela Lei 4.117, de 27/8/62[1].

 Porém o STF decidiu a ilicitude da prova colhida na fase do inquérito policial, ao julgar um Habeas Corpus, no crime de tráfico de entorpecentes, o entendimento foi que não existia legislação regulamentadora. (STF – HC 74116/SP – Rel. Min. Néri da Silveira).

Cumpre mencionar, o julgamento da (Ação Penal N.º 307-3/DF), onde figuravam como autor o MPF e como réus o ex-presidente Fernando Affonso Collor de Mello, Paulo César Farias e outros, sendo que no plenário, o STF acatou por maioria de votos a preliminar da defesa, para declarar inadmissíveis as provas constantes no laudo de gravação de conversa telefônicas, sendo vencidos parcialmente os votos dos ministros Carlos Veloso, Sepúlveda Pertence e Neri da Silveira.

Por fim, ante ao caso de repercussão política, foi promulgada em julho de 1996 a Lei 9.296, objeto deste estudo. 


3. DOS MEIOS DE PROVA


Os meios de prova podem ser lícitos (aqueles admitidos pelo ordenamento jurídico) ou ilícitos (aqueles contrários ao ordenamento). Enfatizando que somente os primeiros devem ser levados em conta pelo juiz.

Já com relação aos meios ilícitos, é importante destacar que eles abrangem não somente os que forem expressamente proibidos por lei, como também os atentatórios aos bons costumes e os contrários aos princípios gerais do direito.

            Segundo o autor Guilherme de Souza Nucci[1]:

“Todas as provas que não contrariem o ordenamento jurídico podem ser produzidas no processo penal, salvo as que disserem respeito, por expressa vedação do art. 155, parágrafo único, do Código de Processo Penal, ao estado das pessoas (casamento, menoridade, filiação, cidadania, entre outros)¨.

De acordo com esse autor, deve-se acatar o disposto na lei civil. Exemplo disso é a prova do estado de casado, que, como regra, se faz pela apresentação da certidão do registro civil, de nada valendo outro meio probatório.

Sendo assim, essas restrições fixadas na lei civil, não são válidas no processo penal. Como exemplo, é quando a lei processual civil autoriza que o juiz indefira a produção de prova testemunhal, quando relacionar sobre fatos, conforme o artigo 400 do Código do Processo Civil, incisos I e II, ou seja, se esses fatos já provados por documento ou confissão da parte ou quando só por documento ou por exame pericial puderem ser provados.

Já essa tal restrição não vale para o processo penal, pois não abordando sobre o estado das pessoas, a parte, caso queira, pode ouvir testemunhas, mesmo que seja para contrariar determinado fato em qualquer tipo de documento ou mesmo confirmando ou afastando a credibilidade da confissão.

Quanto aos meios de prova, existe a prova emprestada que é aquela que foi criada em outro processo e, de acordo com sua reprodução documental é juntada no processo criminal pendente de decisão.

Só que o juiz tem que verificar de onde a mesma teve origem, se houve o indispensável devido processo legal, como também o contraditório, ou seja, se as mesmas partes estavam envolvidas no processo em que a prova foi efetivamente produzida.

A Lei 11.690-2008, alterando o conteúdo do artigo 157 do Código de Processo Penal, ou seja, determinou importantes balizas para o sistema de avaliação das provas ilícitas, ou seja, tornou-se gênero a expressão provas ilícitas, do qual surgem as espécies, as quais são as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. Enfatizando que envolvem tanto as penais quanto as processuais penais.

Em seguida, foi adotado o sistema da prova ilícita por derivação (artigo 157, parágrafo 1º do Código de Processo Penal), admitindo-se o critério da prova separada (artigo 157, parágrafos 1.º e 2.º do Código de Processo Penal).

Quanto à aceitação da prova ilicitamente produzida, há duas teorias:

  1. A prova ilícita por derivação (frutos da árvore envenenada), que é a prova que decorre de algo ilícito, poderá ser usada, desde que se poderia conseguir por outros meios.

  1. A teoria da proporcionalidade, que é aquela, onde se pode usar prova ilícita para beneficiar o réu.

De acordo com a teoria da prova ilícita, uma prova produzida por mecanismos ilícitos, como uma escuta ilegalmente realizada, não poderá ser utilizada, tão pouco as provas que daí advenha.
             
É importante destacar que nada adianta a Constituição proibir a prova conseguida por meios ilícitos, sendo que a prova secundária serviu para condenar o réu, ignorando que a mesma teve origem em prova de maneira imprestável.
             
Enfatizando mais uma vez que a prova ilícita não pode gerar outras que se tornem lícitas. Só que existe uma única exceção que é a prova de fonte independente.

A prova originária de fonte independente não se macula pela ilicitude existente em prova correlata.

4.  DIFERENÇAS ENTRE (GRAVAÇÃO CLANDESTINA), (ESCUTA CLANDESTINA) E (INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA)


Segundo o professor Luiz Francisco[1], as gravações consistem na atitude de registrar conversa própria, submetendo-se a disciplina diversa das interceptações.
Distinguem-se as interceptações das escutas, pelo fato de nestas ocorrer o consentimento de um dos interlocutores telefônicos.
Diferencia-se ainda, as interceptações telefônicas, propriamente ditas, das interceptações ambientais, quais sejam aquelas que se realizam em relação a uma conversa entre presentes, sem interferência nos aparatos telefônicos.
As gravações clandestinas podem ser feitas através do telefone (gravações clandestinas propriamente ditas) ou entre presentes (gravações ambientais).
A interceptação de ambiente, feita por câmeras ou microfones, pode ser utilizada, desde que, não seja em local de intimidade. (Lei 10.217/2001, artigo 2.º, inciso IV).
As gravações clandestinas não se submetem à disciplina das interceptações telefônicas; se não importarem em violação do direito à reserva das comunicações, o seu resultado pode ser admitido no processo; ainda que se afigurem ilícitas, pode haver justa causa que as legitime como meio de prova, ou, sob outro enfoque, podem suscitar a aplicação do princípio da proporcionalidade. As únicas exceções:
1.       Prova ilícita pro reo;
2.       Escuta telefônica realizada pela policia, comumente nos casos de seqüestro, para resguardo do valor da vida ou outros cuja relevância imponha o sacrifício da privacidade de terceiros.
 


Ao invés de indicar claramente em que casos e mediante quais requisitos ocorrerá à interceptação telefônica, optou o legislador pela formulação negativa, ou seja, previu apenas as hipóteses em que a interceptação “não será admitida”.
A existência de indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal (Inciso I) constitui o requisito geral das medidas cautelares, o fumus boni iuris, referindo-se a autoria ao agente e a infração penal à sua materialidade.
O segundo requisito geral das medidas cautelares, o periculum in mora, vem exigido pela expressão contida no inciso II. Assim, o contrário sensu, se a prova não puder ser realizada por outros meios disponíveis... Deferir-se-á a interceptação.
E a última e mais importantes delas, crime punidos com reclusão (inciso III).
Ressalte-se ainda, nos termos do artigo 5.º, inciso XII, da Constituição Federal, deverá o pedido para decretação da interceptação, estar acompanhado de ordem judicial, bem como ser no curso de investigação criminal ou instrução processual penal.

6. PRAZOS DA INTERCEPTAÇÃO


A decisão que defere a medida cautelar deverá indicar a “forma de execução” da diligência e a sua duração, de até 15 dias e renovável por igual período, apenas uma vez, ou seja, no limite total de 30 dias.
O fato é que na prática, a autoridade policial, se vale da cautelar de prorrogação, que de praxe segue com ofício sem número e sem a data, e reenvia quantas vezes necessitar, ou até mesmo, o próprio magistrado, em sua fundamentação, deferi a prorrogação, enquanto não cessar a necessidade e for imprescindível para as investigações. Desta forma, poderíamos dizer que a prorrogação se torna por período indeterminado. 
Quanto à indicação da modalidade de execução, trata-se de matéria de cunho técnico, para cujo conhecimento, no que se refere ao modus operandi da interceptação, a autoridade policial deverá valer-se das empresas concessionárias de telefonia (art. 7º da Lei).
Outro problema surge no tocante ao início da interceptação. Se uma determinada linha móvel (DDD) 9-XXXX-XXXX estiver interceptada com seu áudio redirecionado para uma Delegacia da Policia Civil-SP, e coincidentemente, for alvo de investigação da Delegacia da Policia Federal, tecnicamente não será possível programar a interceptação para esta segunda autoridade policial, devendo a mesma, aguardar o término da primeira interceptação.
Na prática, o Delegado de Policia, emite Mandando de Condução Coercitivo, e compulsoriamente, busca um preposto da empresa de telefonia, para prestar esclarecimentos, pelo não cumprimento da ordem judicial.

7. LEGITIMIDADE PARA REQUERER

De acordo com o artigo 3º da Lei incisos I e II, se limita a autoridades policiais e judiciárias.
Questiona-se o fato de o legislador não haver conferido à defesa a possibilidade de requerer a medida. Mas o advogado do réu, em nome do principio da proporcionalidade, por constituir direito de defesa garantia constitucional oponível a intimidade de terceiro, excepcionalmente poderá requerer diretamente a medida ao juiz.
Já quanto à vítima e o assistente de acusação, somente poderão requerer a diligência a autoridade policial ou ao MP.
Nos termos do artigo 4º,§ 1º, da Lei, em casos excepcionais, o juiz poderá admitir o pedido verbal, condicionada a sua concessão à ratificação por escrito, em vinte quatro horas.
Na realidade, existe outra situação, que a lei não prevê o caso de quando o próprio Juiz, tendo um caso pessoal, comparece na operadora pessoalmente, ou entra em contato diretamente com algum membro da diretoria, e de forma verbal, requisita a interceptação telefônica, ratificando através de ofício, depois de alguns dias.

8. FORMALIZAÇÃO

A interceptação telefônica será em autos apartados do inquérito policial, para manter o sigilo. (artigo. 8.º da Lei).
A razão de ser da autuação em apartado da medida cautelar de interceptação telefônica consiste, evidentemente, no sigilo material obtido, bem como a forma de sua aquisição.
Referente o contraditório, com maior clareza espelhava a disposição contida no Projeto Miro Teixeira: “Do auto e do resultado da operação será dada ciência ao MP, ao suspeito ou acusado e ao seu defensor, tão logo o juiz considere que dela não resultará prejuízo ao prosseguimento das investigações” (artigo. 7.º,§ 1.º).
Logo após o apensamento, deverá o juiz dar conhecimento da medida cautelar aos envolvidos e seus advogados, sob pena de violação do principio do contraditório e ampla defesa.

9. CRIMES PREVISTOS NA LEI

O crime de interceptação telefônica era previsto no art. 151, § 1.º, II, do Código Penal, consistindo na conduta de quem “indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação telefônica entre duas pessoas”.
O art. 10 da Lei 9.296/96, em comento, revogou tacitamente a disposição do art. 151, § 1.º, II, do Código Penal.  Atualmente, deve-se observar, tanto a autorização do juiz como preenchimento dos requisitos legais. Sob pena de não se poder entender como criminosa a conduta de quem, conquanto autorizado pelo juiz, realiza interceptação para produzir prova num processo de separação judicial, o que seria um absurdo.
Outra situação prática, é a de que os operadores da interceptação, não possuem conhecimento adequado da legislação, exercem a função de Assistente de Ofícios, mas com formação em administração, e não é difícil encontrar alguns apenas com nível médio. Conseqüentemente, diariamente, passam-se decisões equivocadas, e clientes das operadoras, são vitimas e não sabem.
Outro absurdo, é que na decisão judicial, o Juiz deveria de forma explicita autorizar somente gravações de conversas ligadas as investigações, mas na prática, é gravado absolutamente todo o tipo de conversações, inclusive a de convicção intima. Poderíamos, nos perguntar: - E o cidadão que é interlocutor de boa fé, e tem suas conversas rastreadas e gravadas? Pois bem, este é mais um dos problemas que abarcam a lei.
Prova obtida através de interceptação telefônica autorizada para a investigação de possível prática de outro delito por parte de outra pessoa, sem qualquer conexão com a infração penal imputada ao acusado, não se tem como recebê-la, uma vez que essa prova é ilícita. (TJMG – PROC.1.0000.04.408238-6/000 – Rel. JOSE ANTONIO BAHIA BORGES).
Também não é crime, o fornecimento de dados cadastrais em poder do provedor de acesso a internet, que permitam a identificação de prováveis autores de infrações penais, não fere o direito a privacidade e o sigilo das comunicações, uma vez que dizem respeito à qualificação de pessoas, e não ao teor da mensagem enviada. (TJMG – Proc. 1.0000.04.414635-5/000 – Rel. PAULO CEZAR DIAS).
O sujeito ativo do crime pode vir a ser qualquer pessoa, tanto servidores públicos, operadores da empresa de telefonia, particulares e especialmente os detetives particulares.
 No tocante ao juiz autorizar uma medida sem atender aos requisitos, este incorrerá em abuso de autoridade, enquadrando-se nas sanções previstas na Lei 4.898/65.
Acrescentou ainda, no artigo 10º em foco, o tipo “quebrar segredo da justiça”, que visa garantir o sigilo processual, da diligência. Aqui o delito é próprio, só podendo ser cometido por quem tem a obrigação de guardar o sigilo: Juiz de Direito, Promotor de Justiça, Delegado de Policia, Defensor, operadores da empresa de telefonia, escrivão ou servente.
 

10. CONCLUSÃO

A interceptação tem se revelado o principal meio de prova disponível para a constatação de determinados crimes, principalmente, aqueles que não deixam rastros materiais a serem identificados por outros meios.
Devemos reconhecer a importância da Lei 9.296/96, que, se bem utilizada, só tem a contribuir para as investigações.
É fato que, sempre existirá o binômio: intimidade em ponderação à prova ilícita, questão esta, que deverá ser analisado pelo Magistrado caso a caso.


[1] AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. 3ª. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p – 149. 

[1]NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5ª. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p – 390.                      


[1] FREGADOLLI, Luciana. O direito à Intimidade e a Prova Ilícita. 3ª. Ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1998, p – 89.
 

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