terça-feira, 3 de setembro de 2024

INVEJA COMO OBJETO DE UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL

INVEJA COMO CONSTRUÇÃO SOCIAL – POR WAGNER PEDRO Os equívocos sobre a inveja decorrem da falta de compreensão dela como construção social. Entre eles, a ideia de que ocorre principalmente entre iguais, a crença de que invejamos por querer mais, a noção de que é por vergonha que negamos ser invejosos, e a suposição de que é apenas a tristeza por não ter o que o outro tem. Além disso, a concepção de que a proximidade é crucial para a inveja surge da mesma falta de compreensão. Exemplos disso incluem a incompreensão de que mesmo os mais ricos podem invejar e a ausência de menção e de teorias que explicam a inveja como construção social na bibliografia existente. O invejoso não sente inveja o tempo todo nem de todas as pessoas, mas sim em determinadas situações e contra indivíduos específicos. Isso fica evidente quando multidões que apoiam atletas, artistas ou oradores favoritos ficam felizes com seu sucesso, apesar de serem rotuladas como invejosas em outros contextos. A inveja surge quando alguém considerado "mais fraco" ganha ou ameaça ganhar muito conforto, pois a cultura estabelece que eles devem ter menos. A ruptura desse padrão gera inveja. Exemplo: Bill Gates ganhar mais é aceitável, mas uma faxineira ganhar muito na loteria gera desconforto. Histórica e socialmente, aplaudimos vencedores e desfavorecemos perdedores, criando repulsa por grupos considerados atrasados. A estrutura social determina quem é considerado mais forte, e a inveja surge quando essa estrutura é desafiada. O convívio coletivo estabelece distinções que tornam difícil tratar todos igualmente, mesmo que teoricamente saibamos que são iguais. Na prática, embora afirmemos tratar todos igualmente, é raro vermos mendigos recebendo autógrafos. Segundo Bourdieu, as posições sociais só se definem em relação umas às outras. Mesmo pessoas ricas e sofisticadas podem perder prestígio em certos contextos. A raiz de problemas como machismo, racismo e feminismo é a ideia de que os "menos fortes" devem ter menos conforto. Isso gera estranheza e inveja quando alguém considerado "menos forte" recebe mais apreço do que deveria. Exemplos incluem negros bem-sucedidos aplaudidos por racistas e mulheres poderosas apoiadas por machistas. A violência simbólica ocorre quando os "menos fortes" são tratados com pouco apreço, enquanto a inveja surge quando recebem muito. Ambas são causadas pela mesma força social. O mesmo padrão se repete em questões de machismo, racismo e feminismo. Se a inveja fosse inata, então por que não invejamos tantas pessoas prósperas, mesmo quando estão muito melhores que nós? Por que não invejamos tantos animais que são mais habilidosos e livres do que nós? O convívio coletivo estabeleceu hierarquias para organizar as relações sociais, mas quando essa estrutura é quebrada, ficamos desconcertados porque queremos que os "menos fortes" tenham menos conforto. É importante notar que mesmo os ricos não são totalmente beneficiados por esse sistema, pois podem sentir inveja dos "menos fortes" que prosperam e enfrentar oposição daqueles que os veem como "menos fortes". A inveja é uma construção social e mutável. Exemplos como Mariah Carey, Will Smith e Joe Osteen ilustram como a sociedade aplaude aqueles que antes eram considerados "menos fortes". A teoria apresentada mostra que a inveja não é um traço genético fixo, pois podemos aprender a apreciar o sucesso de quem antes era visto como oposto. Filósofos e cientistas sociais renomados, como Pierre Bourdieu e Michel Foucault, observaram a violência simbólica, mas não relacionaram diretamente com a inveja. Da mesma forma, outros pensadores não identificaram a conexão entre diversos problemas sociais e a inveja. O sistema capitalista mantém hierarquias que prejudicam os "menos fortes", apesar do esforço e talento individual. Civilizações antigas possivelmente contribuíram para a construção da inveja, perpetuada pelo pacto social atual. Isso explica por que muitas pessoas trabalham arduamente, mas ainda enfrentam tratamento e recompensas desiguais. O casamento entre uma funcionária esforçada e um milionário gera estranheza devido à quebra do padrão de "menos forte". A mesma força social que gera inveja também impede um mercado mais justo. Essa é a essência da inveja e seu mecanismo de funcionamento. A incomodidade diante de um orador que fala português incorretamente surge da nossa familiaridade com o português correto, refletindo nossa busca pelo que é justo e correto. Da mesma forma, quando o sistema social é desafiado, como quando um faxineiro se torna famoso, isso gera inveja devido à ruptura da norma social. Esse desconforto decorre da nossa vontade de justiça, não de uma predisposição genética à maldade. A sensação de inveja pode parecer exclusiva, mas está ligada à importância da conquista para nós, ao sentimento de injustiça e à nossa percepção individual das pessoas. A inveja é resultado de uma construção social que define quem é considerado "mais forte" e "menos forte", influenciando nossa reação ao sucesso alheio. Argumentos sobre predisposições genéticas são refutados, pois é a sociedade que determina quem é "mais forte" em diferentes contextos. A preferência pessoal não justifica a oposição ao sucesso alheio, que é moldada pela socialização que ensina a desvalorizar os "menos fortes". Isso explica por que até mesmo pessoas queridas podem despertar inveja, como filhos ou cônjuges. Há situações em que a alegria de alguém que não gostamos nos perturba, enquanto em outras não. Isso ocorre porque o ciúme e a inveja têm raízes diferentes: o ciúme, muitas vezes, está relacionado a sentimentos individuais, como amor ou medo de perda, enquanto a inveja surge de construções sociais que estabelecem quem é considerado "mais forte" e "menos forte". Essas normas sociais moldam nossa reação ao sucesso alheio, levando à perturbação diante de quem foge do padrão estabelecido. O ciúme, assim como a inveja, é muitas vezes provocado pela mesma força social que determina que os "menos fortes" devem ter menos conforto e prazer. Embora os ricos possam ser invejados, os mais invejados são aqueles que são considerados "menos fortes" em determinado contexto social. A distância entre o invejoso e o invejado não é o fator determinante, mas sim a percepção de quem é considerado mais digno de sucesso. Essa dinâmica se reflete em diversas situações, desde relações pessoais até interações no trabalho. A aflição causada pela mordomia excessiva em humanos não é um traço genético, mas sim uma construção social. Incomodamo-nos com os direitos de grupos considerados "menos fortes" em determinadas situações sociais, ao passo que não nos afligimos com a mordomia de árvores e animais. Isso porque a inveja é exclusivamente uma construção social entre humanos, influenciada por hierarquias e normas culturais. O sistema social estabelece quem é "menos forte" e, portanto, quem deve ter menos conforto, moldando nossa percepção e reações. Essa dinâmica é evidente na relação com o trabalho, onde o sofrimento imposto aos "menos fortes" é muitas vezes aceito como normal, gerando desconcerto quando quebrado. A inveja ocorre apenas entre humanos devido à cultura que estabelece padrões e comparações sociais. A perturbação humana nem sempre é causada por inveja, mas sim por questões como injustiça ou trauma. O sistema social molda grande parte de nossas posturas desde o nascimento, influenciando nossa percepção de conforto e sucesso. Apesar das forças sociais contrárias, a insistência em buscar a felicidade é alinhada com as forças biológicas naturais. A superação dessas forças sociais pode resultar em apoio e reconhecimento significativos. As percepções de desprezo e menosprezo não estão vinculadas exclusivamente a características como gênero, raça, orientação sexual ou posição social, mas afetam tanto os considerados "menos fortes" quanto os "mais fortes". Isso indica que a inveja e a oposição não estão ligadas apenas à pessoa alvo, nem ao invejoso em si, mas sim a uma força social que molda tais percepções ao longo da história. O suicídio, por exemplo, é influenciado por pressões sociais externas, assim como o desconcerto gerado pela derrota de um time de futebol favorito. A inveja surge quando há um desequilíbrio nas tradições sociais, levando à angústia e, em casos extremos, ao suicídio. A mudança de conceitos pode alterar nossas reações à prosperidade dos outros, indicando que a inveja não é um traço fixo ou genético. A diferença entre inveja boa e má reside na percepção do invejado como "mais forte" ou "menos forte", determinando nossas reações de apoio ou oposição. A força social exterior, geral e coercitiva, é responsável por moldar nossos sentimentos em relação aos outros, definindo quem é visto com apreço e quem é desprezado. Os especialistas frequentemente pensam que a inveja é mais intensa entre iguais, como mulheres para mulheres ou negros para negros, devido às pressões sociais que limitam cada grupo dentro de suas próprias balizas. Essas balizas sociais geram desconforto quando alguém as ultrapassa, provocando inveja mesmo dentro do próprio grupo. No entanto, a inveja não está necessariamente ligada à igualdade entre as pessoas, mas sim à prosperidade de quem é considerado "menos forte". A inveja surge quando alguém percebe um "menos forte" progredindo ou ameaçando progredir. A angústia causada por essa percepção vem muitas vezes acompanhada de um sentimento de injustiça. A ideia de que o invejoso quer o que é do outro nem sempre é verdadeira; muitas vezes, o que perturba o invejoso é o valor atribuído à conquista do invejado. Essa percepção ajuda a explicar por que certas realizações alheias perturbam mais do que outras. Embora a inveja possa levar a comportamentos extremos, como roubo ou assassinato, nem todo crime é motivado por inveja. Além disso, o fato de alguém roubar ou matar por inveja não indica que a inveja seja inata, mas sim uma construção social. A impressão de que a inveja é coisa de gente fracassada surge da percepção de que pessoas "menos fortes" tendem a invejar aqueles que têm sucesso semelhante ao seu próprio nível. Por exemplo, um atleta famoso aceita mais facilmente o sucesso financeiro de outro atleta famoso, enquanto pode sentir inveja se alguém do mesmo nível social prospera em um campo diferente. No entanto, a inveja não é exclusiva de pessoas fracassadas; ela surge quando alguém percebe uma injustiça em relação ao seu próprio esforço e sucesso. Os especialistas muitas vezes concluem erroneamente que os mais invejados são os mais ricos, devido à falta de uma explicação coerente sobre como a inveja realmente funciona. Na verdade, a pessoa mais invejada não é necessariamente a mais rica, mas sim aquela que é considerada "menos forte" pelo invejoso. Isso ocorre porque o invejoso tem uma visão pejorativa do sucesso do invejado, achando-o indigno do reconhecimento. A inveja surge quando um "menos forte" é bem-sucedido ou parece ameaçar prosperar. No entanto, a inveja não é uma característica genética; ela é moldada pela cultura e pelas pressões sociais que incentivam a competição e a comparação entre pessoas. Os conflitos entre "menos fortes" e "mais fortes" não são necessariamente causados pela propriedade privada, mas sim pelas forças sociais que perpetuam divisões e injustiças. No entanto, nem todos os "menos fortes" suscitam inveja; apenas aqueles que recebem mais comodidade do que o esperado são alvo de inveja. Portanto, a inveja não é simplesmente uma questão de ambição ou interesse nos lucros, mas sim uma resposta às percepções de desigualdade e injustiça social. Foucault critica a relação entre conhecimento e poder, que amarga a vida dos menos privilegiados, atribuindo o problema à ganância capitalista. No entanto, essa visão não considera que a inclusão de grupos marginalizados beneficia o capitalismo, e as forças sociais geradoras da inveja existem independentemente do sistema econômico. O capitalismo é afetado e, em alguns casos, prejudicado por essas forças sociais. A hierarquia de papéis é considerada útil, mas deveria ser acompanhada de igualdade de valor entre todas as posições sociais. Yuval Noah Harari observa que as narrativas divergentes, como as "histórias imaginárias", contribuem para conflitos entre diferentes grupos sociais. Porém, ele não conectou esses conflitos à inveja, como faço agora. A inveja é alimentada pelo sistema de tradições que estabelece que os "menos fortes" merecem menos conforto. Isso levou à opressão de grupos considerados inferiores ao longo da história. Mesmo sem divergências ideológicas, a inveja pode causar massacres e conflitos. A flexibilidade humana na adaptação das narrativas não impediu a ocorrência de violência e injustiça. A inveja surge quando um grupo ganha destaque, causando desconforto aos outros. Isso não é determinado por questões genéticas, mas por construções sociais mutáveis. A falsidade nas relações humanas também é influenciada pela inveja: apoiamos ou rejeitamos conforme a percepção de força do outro. A prosperidade dos "menos fortes" causa estranheza ou cooperação, dependendo da mudança de conceito sobre eles. O conflito de gênero também é alimentado pela necessidade de impor desconforto aos considerados "menos fortes". No entanto, a criança não se importa com a liderança desde que traga benefícios, indicando que a aversão ao poder dos outros surge da mesma força social que gera inveja. De acordo com o darwinismo social, as sociedades mais simples são vistas como estágios inferiores de desenvolvimento humano, levando à crença de que os "menos fortes" deveriam ser eliminados para acelerar a evolução. Isso resultou em crueldade contra povos considerados primitivos no século XIX, baseada em teorias evolucionistas. A ideia de inferioridade foi perpetuada ao longo da história, levando à opressão de grupos e ao surgimento do sistema de tradições que gera inveja. A inveja, uma força poderosa, destrói mais do que o câncer, mas muitas vezes é negada por vergonha ou por falta de compreensão de seu funcionamento. Terapias falham não por inveja do terapeuta, mas por abordagens inadequadas. O desconforto diante do sucesso alheio é resultado da programação para o fracasso. A exposição da teoria da inveja através de exemplos reais visa tornar o abstrato tangível. O amor também pode ser distorcido pela inveja, como evidenciado pela violência contra crianças e idosos, que são percebidos como "menos fortes" em certas sociedades.

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